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Polígono da Seca

Mais velha que o Chico é a sede...

Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) se estende por 477km sertão adentro, com a meta de beneficiar 12 milhões de pessoas em 390 municípios e 294 comunidades rurais

27 MAI 2025 - 10H51 • Por Wilson Lopes
Damiana da Silva desde pequena convive com a seca. Os moradores do distrito de Palestina do Cariri, em Mauriti (CE) recebem água dia sim, dia não. Agora, com a transposição, "a água vai chegar no Ceará" - Marcelo Camargo/ABr

Quando o navegador italiano Américo Vespúcio, a serviço dos Reinos de Espanha e Portugal, avistou a foz de um grande rio, naquela tarde de 4 de outubro de 1501, dando-lhe o nome do santo do dia, São Francisco, não fazia ideia de que aquelas águas percorriam mais de 2.500km desde suas nascentes na Serra da Canastra.

O explorador também não poderia imaginar que o caudaloso rio entrecortava o que seria chamado pela Constituição Federal de 1934 de ‘Polígono das Secas’, um emaranhado de 1.427 municípios, distribuídos em Alagoas (38), Bahia (283), Ceará (171), Espírito Santo (6), Maranhão (16), Minas Gerais (209), Paraíba (188), Pernambuco (137), Piauí (215), Rio Grande do Norte (141) e Sergipe (23), segundo levantamento da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).  

Fonte: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)

A região, chamada atualmente de Semiárido brasileiro, ocupa 12% do território nacional e abriga 27,8 milhões de habitantes, 63% na área urbana e 37% na zona rural (IBGE/2010). Para ser incluído no Semiárido, o município precisa apresentar critérios como precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800mm, Índice de Aridez de Thornthwaite igual ou inferior a 0,50, e percentual diário de déficit hídrico igual ou superior a 60%, considerando todos os dias do ano.

A soma desses fatores remete ao Semiárido como uma porção do Brasil onde a miséria se constituiu a partir de fatores estruturais e históricos. “Assim, as extensas estiagens associadas ao seu grave quadro de pobreza na sub-região levaram-na a constituir-se foco das políticas e ações governamentais na área social, assegurando-lhe uma posição de prioridade concedida pela Constituição Federal de 1988”, descreve o documento da Sudene. 

Ainda, conforme o documento ‘Delimitação do Semiárido’, os baixos índices pluviométricos, que se concentram em uma curta estação úmida e apresentam irregularidades entre os anos, resultando em secas periódicas, também apresentam elevadas taxas de evapotranspiração potencial, baixa cobertura vegetal e pouca espessura do solo, conjunto que resulta em um ecossistema frágil e em um baixo potencial produtivo.

Navios a vapor percorrem o São Francisco, em Alagoas, em 1870, quando províncias do Império brigaram para receber águas do grande rio (Biblioteca Nacional)

Encanamento

Apesar de atravessar essa região árida, o Velho Chico, como os sertanejos carinhosamente o tratam, é perene e corre água durante o ano todo. Sua bacia representa 9% do território nacional, banhando 504 municípios onde habitam 18 milhões de pessoas. No Nordeste, estão 28% da população brasileira e apenas 3% da disponibilidade de água do País. O Rio São Francisco detém 70% de toda a oferta de água da região, segundo os Sumários Executivos dos Programas Ambientais do Ramal do PISF.

No Atlas do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SNIRH), o São Francisco (2.581km) figura como o segundo maior rio nacional em extensão, atrás apenas do Rio Solimões-Amazonas (2.944km), à frente do Paraná (2.464km), Paraguai (2.431km) e Araguaia (2.000km). 

Toda essa abundância, cercada de tanta pobreza, alimentou historicamente o desejo da transposição das águas do São Francisco. E o sonho de fazer o sertão virar mar tem pelo menos dois séculos, como aponta reportagem de Ricardo Westin, na Agência Senado. 

“O primeiro plano de transposição de que se tem notícia remonta à década de 1810, no fim da Colônia, mas a ideia só começaria a ser levada a sério anos mais tarde, no Império. Dom Pedro II esteve bem perto de executar o ‘encanamento’ (a palavra usada na época) das águas do Rio São Francisco.

Documentos históricos sob a guarda do Arquivo do Senado e do Arquivo da Câmara mostram que vários projetos de lei que previam a transposição passaram pelas mãos dos senadores e deputados do Segundo Reinado.

— Basta fazer um canal. Não é difícil. Cavar e atirar a terra para os lados pouco custa. As mesmas águas que correm farão o resto — disse o deputado França Leite (PB) no Plenário em 1846.

— Uma enxada dirigida por um homem pode levar água até o fim do mundo — insistiu no argumento o deputado Venâncio de Rezende (PE) em 1852.

As secas cíclicas castigam o Norte (como se chamava a porção do país acima de Minas Gerais) desde sempre, dizimando plantações, matando rebanhos e levando sede, fome, doença e miséria à população. Mesmo assim, nenhum dos projetos do Parlamento imperial que previam o ‘encanamento’ vingaria.”

No seu percurso, as águas do São Francisco são estancadas por oito usinas hidrelétricas que se transformam em uma importante fonte de energia elétrica e também contribuem para o controle e regulamentação da vazão do rio (Chesf)

Transposição 

No seu percurso, as águas do São Francisco são estancadas por oito usinas hidrelétricas (Sobradinho, Apolônio Sales, Luiz Gonzaga, Xingó e Paulo Afonso I, II, III e IV), que se transformam em uma importante fonte de energia elétrica e também contribuem para o controle e regulamentação da vazão do rio.

Em tempos recentes, a ideia da transposição ganhou força nos primeiros governos do presidente Lula, um “migrante da seca”. O projeto foi oficialmente iniciado em junho de 2007, após décadas de debates sobre os impactos ambientais e as necessidades das comunidades historicamente castigadas pela escassez de água.

Reconhecida como a maior obra de infraestrutura hídrica do Brasil e da América Latina, o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) capta água no Velho Chico transportando-a para bacias hidrográficas do nordeste setentrional nos estados do Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

O empreendimento hídrico é composto por dois eixos de transferência de água: o Norte, com 260 quilômetros de extensão; e o Leste, com 217 quilômetros. As estruturas captam a água do São Francisco, no interior de Pernambuco, para abastecer adutoras e ramais que vão perenizar rios e açudes existentes na região.

O Eixo Leste está com as estruturas necessárias para o caminho das águas finalizadas, restando apenas serviços remanescentes e complementares que não comprometem a operação do trecho. A água do Velho Chico tem percorrido os 217 quilômetros dos canais e das demais estruturas de engenharia, que a conduzem desde Floresta (PE) até o leito do Rio Paraíba, em Monteiro (PB).

No Eixo Norte as estruturas responsáveis pela passagem de água estão concluídas, restando os serviços complementares que não comprometem a pré-operação. Quando as obras complementares estiverem concluídas e em funcionamento, a expectativa é que o Eixo Norte garanta segurança hídrica a mais de 220 cidades paraibanas, pernambucanas, cearenses e potiguares. Cerca de 6,5 milhões de pessoas contarão com abastecimento de água regular.

Os dois eixos englobam a construção de 13 aquedutos, nove estações de bombeamento, 27 reservatórios, nove subestações de 230 quilowats, 270 quilômetros de linhas de transmissão em alta tensão e quatro túneis

Somados, os eixos Leste e Norte correm por 477 quilômetros, sertão adentro, com a meta de beneficiar 12 milhões de pessoas em 390 municípios e 294 comunidades rurais. 

Ainda fazem parte do projeto 38 programas socioambientais, que propõem medidas mitigadoras, compensatórias, de monitoramento e de controle frente aos impactos de implantação da empreitada, como recuperação de fontes hídricas, salvamento de bens arqueológicos, reassentamento de populações, prevenção à desertificação e processos erosivos, além do acompanhamento de comunidades indígenas e quilombolas.  

Os dois eixos englobam a construção de 13 aquedutos, nove estações de bombeamento, 27 reservatórios, nove subestações de 230 quilowatts, 270 quilômetros de linhas de transmissão em alta tensão e quatro túneis. Com 15 quilômetros de extensão, o túnel Cuncas I é o maior da América Latina para transporte de água.

As obras do Projeto São Francisco passam pelos seguintes municípios no Eixo Norte: Cabrobó, Salgueiro, Terranova e Verdejante (PE); Penaforte, Jati, Brejo Santo, Mauriti e Barro (CE); em São José de Piranhas, Monte Horebe e Cajazeiras (PB). Já no Eixo Leste, o empreendimento atravessa os municípios pernambucanos de Floresta, Custódia, Betânia e Sertânia; e em Monteiro, na Paraíba.

Conforme o Sumário Executivo de fevereiro de 2025, o Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) está orçado em R$ 13,68 bilhões, considerando investimento em obras civis, equipamentos eletromecânicos, supervisão, gerenciamento, projeto, ações ambientais, gestão, operação e manutenção.

Este ano, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) assumiu toda a operação transposição (Decreto n⁰ 12.156 de 2024, arcando com a administração do Eixo Leste, antes sob a responsabilidade da Codevasf. A ideia é garantir maior agilidade e gestão plena do PISF.

Ante o debate dos que questionam os prejuízos ambientais do PISF, com vastos relatórios técnico-científicos, à premente sede dos povos e da terra do Semiárido brasileiro, nos consolam os versos de Chico Buarque, em tom de ultimato: 

Chega de Mágoa: 
“Água, dona da vida
Ouve essa prece tão comovida
Chega, brinca na fonte
Desce do monte, vem como amiga

Te quero água de beber
Um copo d'água
Marola mansa da maré
Mulher amada
Te quero orvalho toda manhã

Terra, olha essa terra
Raça valente, gente sofrida
Chama, tem que ter feira
Tem que ter festa, vamos pra vida...”

  Velho Chico  

Com informações de Ricardo Westin, Agência Senado; Andreia Verdélio, Agência Brasil; Maíra Heinen, TV Brasil; Adriana Magalhães, Agência Câmara; Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR)

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Acesse a página do Projeto de Integração do Rio São Francisco>>

Acesse o site Velho Chico>>

Confira a lista dos 390 municípios beneficiados>>

Acesse os ‘Sumários Executivos dos Programas Ambientais do Ramal do PISF’>>

Acesse o documento ‘DELIMITAÇÃO DO SEMIÁRIDO – 2021’>>

Acesse o documento ‘A região semiárida brasileira’>>

Acesse a reportagem ‘Senado do Império estudou transposição do Rio São Francisco’>>

Acesse a LEI n 175, DE 7 DE JANEIRO DE 1936 (polygonal da seca)>>

Acesse o documento Rios Principais>>