Capannori, a cidade que se libertou do lixo
Sim, é possível, e uma cidade italiana, com 46 mil habitantes, mostra para o mundo como o lixo pode ser uma solução
21 AGO 2025 - 11H00 • Por Wilson LopesSituada em uma região de água pura e potável, coberta por campos de oliveiras, vinhas e cereais, mas ameaçada pelos resíduos produzidos pelas indústrias de papel e calçados, a cidade de Capannori, na Toscana, província de Lucca, decidiu barrar, no ano de 1994, a construção de um incinerador de lixo, prevendo a ameaça para a saúde de seus 46.177 habitantes, além do prejuízo ambiental.
Liderados pelo professor Rossano Ercolini, apoiados pelo prefeito à época Giorgio Del Ghingaro e guiados pelo slogan “resíduo zero”, os moradores de Capannori plantaram a semente de um movimento que se propagou pela Itália, Espanha e, posteriormente, por toda a Europa.
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Coleta seletiva atinge 88,8%
O atual prefeito, Giordano Del Chiaro, explica que, em quatro anos (2020 a 2024), a coleta seletiva de lixo em Capannori aumentou de 82,4% para 88,8%. Enquanto isso, a produção per capita de lixo misto diminuiu de 67,34kg para 51,65kg, uma redução de aproximadamente 24%. A média europeia é de 500 quilos de lixo por pessoa por ano.
Del Chiaro ressalta que a qualidade dos materiais separados também é notável: o vidro coletado é 99% puro, enquanto a porcentagem de materiais mistos gira em torno de 15% e a de lixo orgânico, aproximadamente 2%.
Centro de Pesquisa Lixo Zero
Este ano, a cidade também celebrou o 15º aniversário do Centro de Pesquisa Lixo Zero de Capannori, fundado em julho de 2010 pelo professor Rossano Ercolini, presidente da Zero Waste Itália.
O centro tem o objetivo de analisar o conteúdo do ‘saco cinza’ (resíduos não separados). Desde então, informa a prefeitura local, uma verdadeira revolução popular começou, centrada no conceito de Responsabilidade Estendida do Produtor (REA). Conforme a abordagem ‘Lixo Zero’, tudo o que não é reciclável ou compostável representa uma falha de projeto.
Por isso, o Centro de Pesquisa desenvolveu estudos de caso voltados para o redesenho sustentável: cápsulas de café individuais, o primeiro grande estudo de caso dedicado a uma conhecida marca de café, que encontrou uma solução que estará disponível a partir de setembro do ano que vem graças aos esforços do centro; adesivos ‘puppy’ com adesivos de silicone não reciclável; embalagens para salgadinhos e batatas fritas feitas de plástico heterogêneo; e embalagens para massas e penne de uma conhecida marca francesa, com a qual foram iniciadas reuniões online.
Essa atividade envolveu principalmente escolas e crianças, conscientizando por meio de brincadeiras e experimentações.
Nos últimos anos, o Centro também estabeleceu colaborações importantes com empresas comprometidas com a economia circular, por exemplo, apoiando startups como a ‘Funghi Espresso’, uma empresa que produz cogumelos frescos usando borra de café de cafeterias, e envolvendo ativamente empresas pioneiras como a Qwarzo e a LMPE, comprometidas com o desenvolvimento de novos materiais circulares. Entre as colaborações notáveis está a com a LMPE referente à reciclagem de componentes de bitucas de cigarro, em colaboração com universidades e institutos de pesquisa.
O Centro também lançou uma campanha contra a ‘dupla dúzia suja’ de produtos não recicláveis: uma ‘lista negra’ de produtos indigestos pelo sistema de gestão de resíduos, incluindo fraldas descartáveis e absorventes para incontinência, produtos de tecido não tecido, canetas esferográficas, lâminas de barbear descartáveis, além de pontas de cigarro, tubos de pasta de dente e escovas de dente. Ao mesmo tempo, produziu a ‘Vitrine de Produtos Resíduo Zero’, com mais de 110 produtos virtuosos, e a criação do Newseum, um arquivo dinâmico de práticas e materiais.
“O trabalho realizado pelo Centro de Pesquisa Lixo Zero tem sido extremamente significativo e impactante, além de importantes esforços de conscientização entre as empresas para tornar diversos produtos sustentáveis. Dessa forma, o Centro tem contribuído significativamente para que nossa comunidade se aproxime cada vez mais da meta Lixo Zero”, disse o prefeito Giordano Del Chiaro.
Não esperou virar filme
A ação virtuosa de Rossano Ercolini o levou a atravessar continentes e estrelar, como convidado especial, a 22ª edição do Festival Internacional de Cinema Ecológico de Seul (Seoul International Eco Film Festival 2025), o mais importante festival de cinema ambiental da Coreia do Sul e um dos principais da Ásia.
Ercolini, que também é vencedor do Prêmio Ambiental Goldman, foi convidado por promover uma cultura ambiental global baseada no respeito à natureza, na proteção da vida e na consciência social.
“Temos a honra de receber Rossano Ercolini como nosso Convidado Especial. Seu trabalho concreto na redução de resíduos e na promoção da sustentabilidade é uma referência internacional. Sua presença oferecerá uma valiosa contribuição para o nosso diálogo global sobre meio ambiente e justiça ecológica”, ditava a carta-convite, assinada pelo presidente da Coréia do Sul, Choi Yul, e pelo diretor do festival Lee Mikyung.
Rossano Ercolini respondeu à altura:
“Esta é uma oportunidade de trazer a voz do Lixo Zero para a vanguarda do debate ecológico internacional e reafirmar a necessidade de uma mudança radical em nossos modelos de produção e consumo, por meio da linguagem universal do cinema”.
O desafio continua
A luta contra o lixo é árdua e diária. Mesmo em Capannori, o inimigo ainda insiste em mostrar as suas armas. Atualmente, os resíduos têxteis representam entre 10% e 15% do lixo não separado (a produção anual em 2024 foi de 170 toneladas). Atenta, a prefeitura promoveu o evento ‘Rumo ao Lixo Zero no Setor Têxtil e da Moda’.
Na oportunidade, o prefeito Giordano Del Chiaro explicou que a coleta porta a porta foi introduzida este ano para reduzir o descarte de roupas usadas e retalhos têxteis em resíduos não triados.
Mas ressaltou que um passo significativo será dado, em linha com a estratégia Lixo Zero, com a criação da plataforma de triagem de resíduos têxteis, que terá uma capacidade de tratamento de aproximadamente 6.500 toneladas por ano.
“Essa plataforma terá a capacidade tecnológica de identificar as diferentes fibras e direcioná-las para linhas de tratamento primário separadas que realizarão a higienização inicial e o subsequente acondicionamento. Parte do material será reciclada, enquanto parte será reintroduzida no ciclo de reutilização, inclusive por meio de triagem e separação manual. Paralelamente a essa plataforma, está planejada no mesmo local uma plataforma de reciclagem para produtos de higiene absorventes, que atualmente representam entre 35% e 45% dos resíduos não triados”, planeja o prefeito.
Para Rossano Ercolini, a moda é um dos setores mais poluentes e tem o impacto social mais complexo. Segundo ele, chegou a hora de repensar nossa relação com o vestuário e adotar uma abordagem circular que priorize a qualidade, a reutilização e a sustentabilidade:
“Precisamos refletir sobre como todos podemos contribuir para a redução da produção de resíduos, especialmente nos setores da moda e têxtil. Governos, empresas e cidadãos têm um papel fundamental a desempenhar nesse sentido. Em Capannori, o trabalho já está em andamento nesse sentido, tanto com a implantação de um centro de coleta dedicado a resíduos têxteis quanto com o projeto de plataforma de triagem de resíduos têxteis."
Pulmão verde
A cidade que se libertou do lixo agora quer respirar melhor. O prefeito anunciou a construção de uma floresta urbana, de 30 mil m², para melhorar a qualidade do ar e oferecer aos moradores espaços de lazer, eventos públicos, oficinas e teatro de fantoches.
O projeto contará com a presença de funções públicas (prefeitura, postos de saúde, serviços comunitários, cantina, instalações desportivas, piscina) e infraestruturas de mobilidade (ciclovia/pista de caminhada).
O espaço foi projetado com uma vocação evolutiva, capaz de se adaptar ao longo do tempo às necessidades da comunidade. Paralelamente, serão construídos um parque de skate e uma área de fitness equipada.
As plantas e árvores serão escolhidas para reduzir os poluentes atmosféricos (PM10, PM2,5, CO, NO) e mitigam o microclima urbano, com foco na otimização ecológica e na eficiência do ecossistema.
Com informações da Prefeitura de Capannori.
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