Goiânia está jogando sua reputação no lixo
Capital de Goiás está na vergonhosa 95ª colocação do Ranking de Competitividade dos Municípios e na 56ª posição do Índice de Progresso Social, enquanto o seu aterro sanitário está nas primeiras páginas dos jornais
5 SET 2025 - 15H37 • Por Wilson LopesO Ranking de Competitividade dos Municípios, criado pelo Centro de Liderança Pública (CLP) para estimular a competição saudável nos indicadores de justiça, equidade e promoção do desenvolvimento econômico e social no setor público, expõe com clareza as potencialidades e fragilidades das políticas públicas dos municípios brasileiros.
O ranking é composto por 65 indicadores, organizados em 13 pilares temáticos. Entre eles, ‘Funcionamento da máquina pública’, ‘Qualidade da saúde’, ‘Meio ambiente’, ‘Saneamento’ e ‘Destinação do lixo’.
Na edição 2025 do CLP, a cidade de Goiânia figurou na vergonhosa 95ª colocação do ranking dos 418 municípios com população acima de 80 mil habitantes (IBGE/24), somando 52,95 pontos de um total de 100 alcançáveis. Entre as capitais, a representante de Goiás também deixou a desejar, chegando na 12ª posição.
No Índice de Progresso Social Brasil (IPS/2025), ferramenta desenvolvida pela organização Social Progress Imperative para medir o desempenho social e ambiental de países, estados, municípios e comunidades, utilizando 57 indicadores como ‘Qualidade do Meio Ambiente’, ‘Água e Saneamento’, ‘Necessidades Humanas Básicas’ e ‘Domicílios com Coleta de Resíduos Adequada’, Goiânia melhora sua posição, ficando em 6º lugar entre as capitais, com 68,21 pontos, mas derrapa para a 56ª colocação no ranking nacional.
Em outro estudo respeitado, o Índice dos Desafios da Gestão Municipal (IDGM/2025), método que apresenta uma análise da evolução recente das cidades, reunindo 15 indicadores em quatro áreas essenciais para a qualidade de vida da população (Educação, Saúde, Segurança, Saneamento e sustentabilidade), incluindo a ‘Taxa de cobertura de coleta de resíduos domiciliares’, Goiânia não passa da 27ª posição entre as 100 maiores cidades brasileiras, com índice de 0,663.
Já o Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), ferramenta estatística produzida pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) com objetivo de mensurar o grau de adesão dos municípios às diretrizes e metas da Lei Federal n° 12.305/10 (Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS), mostrando quais são aqueles que estão empenhados em buscar soluções para a gestão adequada da limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, reserva para Goiânia a vexatória 102ª posição entre as 116 cidades acima de 250 mil habitantes, com índice de 0,431 em 2024.
Capital das flores
Goiânia soma 1.503.256 habitantes (IBGE/25). É a 10ª maior cidade brasileira. Na prática, raramente enfrenta catástrofes climáticas (enchentes, deslizamentos, alagamentos), não concentra bolsões de pobreza e nem abriga regiões de favelas, mazelas habitualmente encontradas nas maiores metrópoles brasileiras.
Mas a cidade, que já ostentou o título de ‘Capital das Flores’ e colheu elogios por sua invejável qualidade de vida, mesmo com todo esse ambiente favorável, vem perdendo seu protagonismo socioeconômico, como os indicadores nacionais desnudam.
Contudo, um dos piores problemas da capital não está à vista dos goianienses. A passos largos, uma montanha foi literalmente sendo erguida na divisa com os municípios de Trindade e Goianira (ambos na parte Oeste da Região Metropolitana), à qual a Prefeitura Municipal dá o nome de “Aterro Sanitário” e a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) trata de “lixão”.
Aterro ou lixão?
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305) completou 15 anos em agosto, determinando que as cidades eliminassem os lixões e passassem a ter aterros que tratassem corretamente os materiais.
Dados do Suplemento de Saneamento da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC/2023) revelam que só em 32,8% dos municípios brasileiros a disposição final do lixo é feita em aterros sanitários e 21,5% utilizam aterros controlados (um município pode possuir mais de uma forma de destinação de resíduos sólidos). E mais de um terço (36,6%) ainda utiliza lixões como unidade de disposição final de resíduos sólidos, considerada a forma menos adequada de destinação.
Para o presidente da Abrema, Pedro Maranhão, durante visita em junho passado, esse é o caso de Goiânia:
“A prefeitura disse que não é lixão, mas sim um aterro controlado. Aterro que não trata chorume, nem gaseificação, nem drenagem e não tem uma preocupação com o aproveitamento do resíduo, é um lixão”.
No mês de agosto, o prefeito Sandro Mabel providenciou uma vistoria nas benfeitorias que a prefeitura providenciou no Aterro Sanitário, levando a tiracolo dez dos trinta e cinco vereadores, seis secretários, além do desembargador Maurício Porfírio Rosa, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO).
“Todo mundo acha que o aterro é um grande lixão, cheio de gente, cachorro e não tem nada disso.... Receber o desembargador e os vereadores aqui é uma oportunidade para mostrar a realidade, diferente daquela imagem de lixão de novela”, destacou Mabel à época.
O desembargador Maurício Porfírio é quem analisa um recurso da Prefeitura de Goiânia que foi alvo de uma decisão judicial determinando o fechamento gradual do Aterro Sanitário devido ao descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público de Goiás (MP-GO) em 2020 e revisto e aditivado em 2023 e 2024, além da falta de licença ambiental do local, vencida desde 2011. A ação, proposta pela Abrema, está temporariamente suspensa pela presidência do TJ-GO.
12 falhas gravíssimas
Para agravar a situação, a Prefeitura de Goiânia foi sucumbida com um estudo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) apontando “12 falhas gravíssimas” envolvendo o Aterro Sanitário. Segundo nota publicada pelo governo estadual (4/07/25), o “Aterro Sanitário Municipal de Goiânia opera sem licença ambiental válida e em desacordo com normas técnicas legais”.
Entre as inadequações, o relatório da Semad aponta projetos de impermeabilização e drenagem ineficazes, sistema de monitoramento ambiental precário ou inexistente e risco real de deslizamentos e acidentes estruturais.
Por outro lado, a Prefeitura de Goiânia retrucou com um estudo do Instituto de Planejamento e Gestão de Cidades (IPGC) mostrando que o aterro pode ser viabilizado pelos próximos 30 anos, desde que feitas adequações necessárias.
O chorume entornou
Agora, em setembro, a lata de lixo transbordou novamente. O MP-GO entrou com recurso contra a continuidade do desembargador Maurício Porfírio no processo, por acreditar que ele tem sido “complacente” com as melhorias da gestão do prefeito Sandro Mabel no aterro.
Após nova inspeção judicial ao lixão/aterro sanitário, o desembargador citou a preocupação com os gastos que a Prefeitura teria, caso o aterro fosse fechado e o lixo da cidade tivesse que ser transferido para outros locais.
“Se não tiver condições, preciso manter a decisão do juiz. Se tiver, preciso evitar que o município pague para aterros privados, que custam cerca de R$ 120 por tonelada, enquanto a Comurg [empresa pública municipal de limpeza] cobra no aterro público R$ 28. Minha decisão se baseia na análise das condições e também nas consequências, pois o interesse aqui é público”, declarou o desembargador Maurício Porfírio.
A Prefeitura afirma que já concluiu 10 das 60 exigências feitas pela Semad e outras 28 estão em andamento. Também manifesta que só entrará com o pedido para obter a licença quando concluir os 60 pontos.
“O aterro é todo cercado, tem portaria, não tem cheiro e não traz desconforto ao entorno. Estamos trabalhando no tratamento dos gases e começaremos a produzir energia, tornando o aterro uma atividade econômica e sustentável. Nós temos o controle do chorume, fazemos um pré-tratamento e enviamos para a Saneago [empresa pública estadual de saneamento] por tubulação. Antes, levavam nos caminhões, derramando pelo caminho”, afirmou o prefeito Mabel, ao frisar que a gestão trabalha para atender a todas as recomendações feitas pelos órgãos responsáveis.
Segundo o prefeito, a administração trabalha atualmente na instalação de um novo sistema de monitoramento geotécnico para controlar as condições de estabilidade física e o comportamento do maciço de resíduos depositados no local.
Técnicos da Semad, órgão que tem a competência de emitir a licença ambiental, alegam que há aspectos ocultos embaixo e por dentro do lixão para os quais a Prefeitura de Goiânia não tem respostas minimamente razoáveis.
“A prefeitura até hoje não apresentou documentos que comprovem que os riscos operacionais foram sanados, tampouco relatórios de monitoramento. Tememos que a chegada do período chuvoso implique em mais problemas e agrave a instabilidade do aterro”, afirma Ialdo Oraque, superintendente de Licenciamento da Semad.
O promotor Juliano Barros de Araújo afirmou que o MP-GO se viu no dever de propor a ação civil pública que pede a interdição porque desde 2007 o município se omite no dever de mitigar os riscos operacionais e de garantir uma operação ambientalmente segura.
“Se o município vai lá e multa o cidadão que não faz a coisa correta, ele deveria ter vergonha de não exercer uma atividade poluidora sem licença”, afirmou o promotor.
Riscos operacionais apontados pela Semad
- Constatou-se que a obrigação de realizar o recobrimento diário dos resíduos continuava sendo descumprida.
- A instalação de dispositivos de afugentamento de aves ainda não havia acontecido (a prefeitura utiliza rojões, acionados manualmente, que são pouco efetivos).
- Não se observou a aplicação de métodos de controle de moscas e baratas, por meio de armadilhas.
- O município havia se comprometido a instalar cercas-vivas e barreiras verdes para reduzir a propagação de particulados, mas não instalou.
- A implantação de procedimentos de umidificação das vias de acesso ao empreendimento estava inadequada, e o dever de implementar sinalização de trânsito adequada nas dependências do lixão foi só parcialmente atendida.
- No que diz respeito aos problemas que envolvem o sistema de drenagem pluvial, nenhuma medida proposta foi realizada. São elas: realizar a limpeza e manutenção das galerias pluviais, promover a recuperação e ampliação da rede de drenagem pluvial, implementar procedimentos de monitoramento e manutenção preventiva periódica da rede de drenagem pluvial, instalar descidas d’água no maciço, para evitar o acúmulo e posterior infiltração de água pluvial no maciço, promover a manutenção corretiva das redes de drenagem e instalar equipamentos automatizados de monitoramento de percolado.
- A inadequação da rede de drenagem de gases também persiste.
- A Semad não tem provas de que tenha sido realizada a manutenção e adequação dos drenos danificados, não recebeu plano para implantação de solução centralizada de captação e queima de gases e tampouco constatou a existência de um programa para monitoramento da queima de gases até que seja implantada a solução centralizada.
- O posto de combustíveis desativado, que precisa ser descomissionado, ainda não o foi e a Semad não recebeu plano nesse sentido.
- A secretaria continua no aguardo de estudos sobre a estabilidade geotécnica da pilha de resíduos e de medidas tomadas para reduzir os riscos, assim como espera receber documentos que comprovem a adequação da frota atual disponível no lixão.
- O relatório da vistoria de agosto conclui: “com base na vistoria técnica realizada, constata-se que as principais deficiências estruturais, operacionais e de monitoramento ambiental permanecem inalteradas. A permanência dessas falhas reforça a necessidade de adequações imediatas”.
- Aponta, também, dez itens que demandam ação imediata, entre eles a ausência de estudos atualizados de estabilidade e de geometrização dos platôs e taludes; e a rede de drenagem de gases com deficiências estruturais e possível subdimensionamento.
É bolacha, biscoito ou cookie?
O prefeito Sandro Mabel é um gestor experiente, com vasto currículo de empreitadas bem-sucedidas em suas atividades empresariais e classistas. Também não é neófito na política. Tem mandatos consecutivos de deputado estadual e federal, atuou na modernização do Sistema Tributário Nacional e na Reforma Tributária, e chegou a assessorar o então presidente da República Michel Temer.
Mabel é cidadão do mundo e sabe bem que o lixão de Goiânia, que ele por conveniência chama de Aterro Sanitário, enquanto prefeito, está longe dos padrões civilizatórios de uma cidade que ele escolheria para viver com sua família.
Em uma missão empresarial a Israel, promovida há três anos pela Federação das Indústrias de Goiás (Fieg) e pelo Sebrae Goiás, Mabel conheceu plataformas de conversão de esgoto sanitário em água para irrigação da agricultura, transformação de lixo em biogás, sistemas de irrigação por gotejamento e até shopping center que processa 100% do lixo para capturar 30% do carbono emitido.
Tudo isso em um país que historicamente vive em guerra, em um território extremamente seco, de clima predominantemente desértico, onde 80% da água potável precisa ser dessalinizada.
Pouco tempo depois, Mabel se torna prefeito de um oásis encravado no meio do Centro-Oeste, chamado de Goiânia, que nem de longe sofre as agruras que ele viu com seus olhos do outro lado do mundo. É hora de mostrar que nem Mabel, nem Goiânia, podem jogar a sua reputação no lixo...
Com informações da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Governo de Goiás (Semad); Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema); Prefeitura de Goiânia.
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