Das 5.569 cidades do Brasil, 1.282 não geram receita suficiente para pagar o prefeito e vereadores
Índice Firjan de Gestão Fiscal mostra que, em 25% das prefeituras, a receita local não é suficiente para cobrir as despesas mínimas necessárias à existência de um município
29 SET 2025 - 15H11 • Por Wilson LopesO Brasil conta com 5.569 municípios e uma população de 213,4 milhões de habitantes, segundo as Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação (IBGE/2024). Destes, 65,7 milhões, ou 30,9% do total, estão distribuídos em apenas 48 municípios (0,9%), todos eles com população maior que 500 mil habitantes. Outra parte considerável da população, cerca de 58,0 milhões (27,3%), está nos 339 municípios com população entre 100 mil e 500 mil, que correspondem a 6,1% do total de municípios. Na outra ponta, os 1.288 municípios menos populosos, com até 5 mil habitantes, representam 23,1% do total e somam apenas 2,0% da população (4,3 milhões).
Como efeito de comparação, somando a população das 2.377 menores cidades brasileiras, se alcançariam 11.904.288 brasileiros, número ainda menor do que os 11.904.961 habitantes da cidade de São Paulo.
Os números, acima, tendem a questionar a existência e a quantidade de pequenas cidades, com suas respectivas estruturas administrativas, para o bem comum de poucos moradores.
Pois, na prática, a menor cidade do Brasil, a mineira Serra da Saudade, com 856 habitantes, recebe a mesma cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) do que Parnaguá, no Piauí, que tem 10.103 moradores.
Isso porque o Decreto-Lei n.º 1.881 (27/08/1981) estabeleceu os coeficientes do FPM baseados por faixa de habitantes. Desta forma, as cidades com até 10.188 habitantes ficam igualmente com uma cota de 0,6% do fundo; aquelas de 10.189 até 13.584, com 0,8%, e daí por diante.
A distribuição do montante entre os municípios é feita da seguinte forma: 10% para os municípios que são capitais de Estado, 3,6% para uma reserva destinada aos municípios mais populosos, e os 86,4% restantes são distribuídos para os municípios do interior.
Para Haroldo Naves, diretor-executivo e financeiro da Federação Goiana de Municípios (FGM) e ex-prefeito por três mandatos de Campos Verdes, município goiano com menos de dez mil habitantes (portanto, na cota de 0,6%), a questão não se resume somente ao repasse do FPM, mas ao conjunto de obrigações que a União atribuiu aos municípios ao longo dos anos, nos campos da saúde, educação e segurança, sem uma contrapartida específica.
Haroldo Naves, que também é ex-diretor da Confederação Nacional de Municípios (CNM) e um dos articuladores para a ampliação do fundo, ressalta que o FPM é composto pelos recursos que a União arrecada com o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ambos gerados nos próprios municípios. Portanto, para o ex-prefeito, não cabe o discurso de que é o governo federal que banca as pequenas cidades. Atualmente, o percentual repassado pela União aos municípios é de 25,5% da arrecadação anual.
Tamanho não é sinônimo de boa gestão
A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) elaborou um estudo que ajuda a entender o enredo e mostra que a questão não é o tamanho da cidade, mas, sim, como ela é gerida. Isso justifica por que algumas cidades são prósperas e desenvolvidas, enquanto outras do mesmo porte socioeconômico ficam estagnadas.
O Índice Firjan de Gestão Fiscal – IFGF/2025 (veja a reportagem “Uma Vitória, de ponta a ponta...”) analisou as contas de 5.129 das 5.569 cidades, onde vivem 95,6% da população brasileira, e revelou como os municípios estão gerindo seus recursos.
O IFGF é composto por quatro indicadores, que assumem o mesmo peso para o cálculo do índice geral: IFGF Autonomia, IFGF Gastos com Pessoal, IFGF Liquidez e IFGF Investimentos.
Prefeituras com bolso furado
Na análise específica do indicador IFGF Autonomia, utilizado para verificar se as receitas oriundas da atividade econômica local suprem as despesas essenciais ao funcionamento da máquina pública municipal, a Firjan constatou que 1.282 prefeituras (25% do total) tiraram nota zero.
Nessas prefeituras, relata a federação, a receita local não é suficiente para cobrir as despesas mínimas necessárias à existência de um município. Ou seja, mesmo na “era de ouro” das finanças municipais, um quarto das cidades brasileiras não possui uma atividade econômica mínima que seja capaz de gerar arrecadação suficiente para pagar os salários do prefeito e da câmara de vereadores.
O relatório da Firjan explica que o IFGF Autonomia evidencia um problema crônico na esfera municipal: a alta dependência de municípios por transferências de recursos públicos da União para suprir necessidades mínimas locais.
As consequências são: vulnerabilidade frente ao ciclo econômico, desincentivo à gestão fiscal responsável e estagnação da base econômica no município.
No orçamento municipal, as receitas provenientes do esforço de arrecadação própria e do potencial econômico local representam, em média, uma parcela pequena do total. Entre os impostos que compõem esse grupo, estão o IPTU, o ISS e os recursos recebidos de ICMS.
Esse cenário se consolidou na maioria dos municípios brasileiros devido à insuficiência das receitas locais para cobrir as despesas essenciais ao funcionamento da administração municipal. Como consequência, instalou-se uma forte dependência de transferências da União, que assumiram um papel cada vez mais relevante no funcionamento de um município. Este constitui o maior entrave à eficiência da gestão fiscal na maioria dos municípios.
A garantia de recebimento de recursos da União, sem qualquer contrapartida, torna os entes vulneráveis frente ao ciclo econômico e ainda desincentiva a gestão responsável dos recursos. O IFGF Autonomia mostra o quão crítico é este quadro: na média, as prefeituras brasileiras pontuaram 0,4403 ponto no indicador em 2024.
A análise histórica mostra que, nos últimos anos, o crescimento da receita local vem se sobrepondo ao crescimento das despesas administrativas. Desde 2019, as receitas locais cresceram 61,3%, enquanto as despesas com a estrutura administrativa subiram 39,4% em termos reais. Assim, o forte crescimento das receitas abriu espaço para a expansão dos gastos.
Mesmo nesse contexto de maior disponibilidade de recursos, mais de 50% das prefeituras vivem em um quadro crítico de autonomia.
A Constituição de 1988 flexibilizou a emancipação de municípios com a proposta de descentralizar a administração pública e reforçar o vínculo entre os cidadãos e o poder público local. Era esperado que isso aumentasse a qualidade dos bens e serviços oferecidos à população. No entanto, o IFGF Autonomia revela que, na maioria do país, há um quadro crônico de alta dependência dos municípios em relação às transferências da União para suprir necessidades mínimas, e que esse cenário reforça o ambiente de baixa competitividade da economia brasileira.
Os dados mostram que o cenário é ainda mais preocupante nos municípios de pequeno porte, que, na média, apresentaram 0,3726 pontos no IFGF Autonomia.
Surpreende o grande contraste na comparação com as cidades com população superior a 100 mil habitantes, que apresentaram excelência no indicador (0,8251 pontos).
O IFGF Autonomia mostra que a alta dependência por recursos da União é uma questão a ser superada, sobretudo por pequenos municípios. O fato é que o federalismo fiscal brasileiro não conseguiu atingir seu objetivo de reduzir as desigualdades regionais e de equilibrar a capacidade de arrecadação e investimento entre os municípios.
A forma atual de distribuição de recursos limita a capacidade dos gestores de implementar políticas públicas eficazes e desestimula a busca por fontes próprias de receita para custear despesas essenciais. Esse contexto evidencia a necessidade de revisar o modelo vigente e construir um novo federalismo fiscal, capaz de reduzir as desigualdades e as assimetrias históricas do país.
Com informações da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
@firjan