Quem manda é o Congresso!
Até 2006, aproximadamente 80% das leis produzidas foram propostas pelos presidentes da República; Em 2024, 83% das leis promulgadas tiveram início no Congresso
1 OUT 2025 - 12H10 • Por Wilson LopesA expressão ‘Rainha da Inglaterra’ é comumente utilizada de forma metafórica e pejorativa para descrever alguém que tenha mais poderes simbólicos do que propriamente reais. Não é o caso da Presidência da República do Brasil, cargo revestido pelo Art. 78 da Constituição de 1988, com autonomia para dirigir a política interna e externa, nomear ministros de Estado, sancionar e promulgar leis, expedir decretos e medidas provisórias. Mas a alcunha da realeza bretã insiste em bater às portas dos inquilinos do Palácio do Planalto.
Conforme o estudo ‘Policy Brief nº 34 – A relação Executivo-Legislativo e o impacto em políticas públicas de saúde, educação, assistência social e trabalho’, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), até 2006, aproximadamente 80% das leis produzidas foram originalmente propostas pelos presidentes da República. Em 2008, a produção legislativa de origem parlamentar superou a presidencial pela primeira vez, dando início a um período inédito de dominância congressual; a partir de 2015, a mudança se intensificou e, em 2024, a inversão se completou: 83% das leis promulgadas tiveram início no Congresso.
O estudo indica que o protagonismo congressual e sua crescente influência sobre o orçamento federal por meio das emendas parlamentares ganharam força entre 2014 e 2016, quando foram aprovadas medidas por força das leis de diretrizes orçamentárias (LDO), as emendas individuais e parte das emendas de bancada se tornaram impositivas. Posteriormente, a obrigatoriedade de execução dessas emendas pelo Poder Executivo foi constitucionalizada com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 86, de 2015, e da EC nº 100, de 2019, respectivamente.
O Policy Brief também sugere que uma das evidências da inversão do padrão de protagonismo, do presidente para o Congresso, está associada ao enfraquecimento progressivo da representação localista e, com isso, à redução gradual da concentração municipal dos votos dos deputados federais, observada desde o fim dos anos 1990. Com isso vieram o crescimento das frentes parlamentares suprapartidárias voltadas a causas temáticas ou setoriais e o aumento do número e da diversidade dos grupos de interesse organizados atuando sistematicamente na Câmara.
“O protagonismo legislativo do Congresso frequentemente suscita preocupações legítimas quanto a seus possíveis efeitos negativos sobre a qualidade das políticas públicas e, de forma mais ampla, sobre a governabilidade, observa o estudo.
O Policy Brief faz parte de uma série de estudos do Ipea que examinam o protagonismo do Congresso Nacional na elaboração de leis e o impacto disso nas políticas públicas. Entre os focos dos materiais, estão as emendas parlamentares, que têm influenciado de forma crescente o orçamento da União. Os trabalhos mostram como esses recursos têm alterado a dinâmica de financiamento de políticas públicas em áreas estratégicas, do Sistema Único de Saúde (SUS) à educação, passando pelas políticas de emprego, até a assistência social.
Saúde: participação crescente no SUS
O relatório Emendas parlamentares ao orçamento federal do Sistema Único de Saúde: 2014-2024, de Fabiola Sulpino Vieira, evidencia que os gastos do SUS por emendas saltaram de R$ 5,1 bilhões em 2014 para R$ 24,8 bilhões em 2024, representando 45,4% das despesas discricionárias do Ministério da Saúde. O estudo alerta que esse crescimento consolida o protagonismo das emendas no financiamento da saúde, mas levanta preocupações sobre desigualdades regionais e a sustentabilidade do sistema.
Educação: aumento expressivo e distribuição irregular
Na área da educação, o estudo Emendas parlamentares ao orçamento do Ministério da Educação: 2014-2024, assinado por Sergio Luiz Doscher da Fonseca e Daniel Arias Vazquez, aponta um aumento real de 315,6% nos recursos via emendas, chegando a R$ 1,58 bilhão em 2024. Embora a maior parte dos recursos tenha sido destinada à educação básica, nos últimos anos cresceu a participação das emendas voltadas à ensino profissional. O trabalho também revela forte irregularidade na distribuição dos valores entre regiões e tipos de ensino.
Emprego e renda: apoio às políticas ativas
O estudo Emendas parlamentares ao orçamento federal do Sistema de Políticas de Emprego, Trabalho e Renda: 2014-2023, elaborado por Carlos Henrique Leite Corseuil, Mário Magalhães, Paulo de Andrade Jacinto e Victória Evellyn Costa Moraes Sousa, analisa a destinação de recursos para políticas ativas de emprego, como intermediação de mão de obra, qualificação profissional e fomento à economia solidária. Os dados revelam que os valores passaram de R$ 2,7 milhões em 2014 para R$ 125 milhões em 2023. Nesse período, a participação das emendas nas despesas discricionárias da área saltou de 0,36% para 14,95%, com municípios e instituições privadas sem fins lucrativos como principais beneficiários.
Assistência social: peso crescente e desigualdade no Suas
O estudo Evolução da participação das emendas parlamentares no orçamento da assistência social: 2005-2024, de Marina Brito Pinheiro e Ana Cleusa Serra Mesquita, mostra que os valores pagos por emendas saltaram de R$ 619 milhões em 2020 para R$ 2,49 bilhões em 2023, equivalendo a quase metade dos recursos federais destinados à manutenção dos serviços socioassistenciais. Embora tenham reforçado uma política marcada pelo subfinanciamento, as emendas apresentaram forte concentração: em 2022 e 2023, ao menos 50% dos municípios não tiveram acesso a esses repasses. O relatório alerta que a ausência de critérios de equidade pode ampliar desigualdades regionais no Sistema Único de Assistência Social (Suas).
Visão geral: revisão da literatura sobre emendas
O relatório Gastos públicos por emendas orçamentárias: uma revisão de literatura, elaborado por Acir Almeida e Maria Dominguez, revisa evidências nacionais e internacionais sobre o papel das emendas. A pesquisa mostra que, embora existam indícios de impacto positivo em alguns serviços municipais, ainda há pouca comprovação sobre os efeitos das emendas no bem-estar da população. Os autores defendem a necessidade de estudos mais robustos para avaliar a qualidade e a efetividade desses gastos.
Com informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
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Acesse o estudo ‘Policy Brief nº 34 – A relação Executivo-Legislativo e o impacto em políticas públicas de saúde, educação, assistência social e trabalho’>>
Acesse o relatório Emendas parlamentares ao orçamento federal do Sistema Único de Saúde: 2014-2024>>
Acesse o estudo Emendas parlamentares ao orçamento do Ministério da Educação: 2014-2024>>
Acesse o estudo Emendas parlamentares ao orçamento federal do Sistema de Políticas de Emprego, Trabalho e Renda: 2014-2023>>
Acesse o estudo Evolução da participação das emendas parlamentares no orçamento da assistência social: 2005-2024>>
Acesse o relatório Gastos públicos por emendas orçamentárias: uma revisão de literatura>>