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"E o salário, ó!"

No Brasil, 46,6% dos professores são intimidados ou ofendidos verbalmente pelos alunos

Professores brasileiros sofrem com o estresse da profissão, enfrentam alunos com problemas de comportamento, estão insatisfeitos com o salário e, mesmo assim, não largam a mão do giz...

8 OUT 2025 - 14H02 • Por Wilson Lopes
Mesmo com os contratempos, uma expressiva maioria de 93,3% dos professores afirma gostar de trabalhar em sua escola atual, e 89,0% recomendariam a instituição como um bom lugar para se trabalhar - Seduc/Governo de Goiás

O humorista Chico Anísio, no programa ‘Escolinha do Professor Raimundo’, imortalizou o bordão “E o salário, ó!”, satirizando a desvalorização dos professores diante de tantos desafios enfrentados pela profissão, principalmente na sala de aula.

A Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) 2024, divulgada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), jogou luz sobre o tema e mostrou que, para 21% dos professores brasileiros, o trabalho é muito estressante. Conforme os docentes pesquisados, o estresse sofrido no dia a dia aumentou em 7 pontos percentuais em relação a 2018. A média da OCDE é de 19%. 

Os dados da Talis 2024 demonstram que, no Brasil, apenas 25% dos professores dos anos iniciais se declaram satisfeitos com seus salários, um dos índices mais baixos, ao lado de nações como Coreia (20,8%), Marrocos (20,8%), Turquia (21,1%) e França (21,6%). Esse resultado posiciona o Brasil bem abaixo da média da TALIS, que é de 39,1%. Nações como os Países Baixos (83,8%), Arábia Saudita (74,9%) e Bélgica (72,0%) apresentam os índices mais elevados, indicando que a maioria dos seus educadores está satisfeita com a remuneração. 

Nos anos finais do ensino fundamental, a porcentagem de professores brasileiros satisfeitos com seus salários aumentou de 17,9% em 2018 para 22,3% em 2024, ainda posicionando o país abaixo da média da OCDE (36,4% em 2018 e 39,2% em 2024). Na Colômbia, o aumento foi ainda mais notável, passando de 35,6% em 2018 para 63,1% em 2024, o que representa um salto significativo e coloca o país acima da média da OCDE. 

Saúde e bem-estar

A Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) tem foco no perfil dos professores, nas condições de trabalho, na saúde e bem-estar, na valorização, nas relações profissionais e em gestão e liderança docente. 

No caso do Brasil, os dados apresentados revelam um cenário de contrastes, em que há satisfação docente com a escola em que se trabalha, mas baixa satisfação com a profissão, ou ainda no qual o corpo docente, embora jovem e com formação de nível superior, enfrenta desafios significativos, como infraestrutura inadequada, alta prevalência de contratos temporários e níveis elevados de estresse. 

Porcentagem de professores que reportaram a seguinte composição de alunos em suas turmas (anos finais do ensino fundamental)

Porcentagem de professores que reportaram a seguinte composição de alunos em suas turmas (anos iniciais do ensino fundamental)

Fonte de estresse

A análise das fontes de estresse no trabalho docente revela que os professores brasileiros, nos anos finais do ensino fundamental, enfrentam um nível de pressão substancialmente mais elevado em comparação com a média dos países da OCDE e com os pares latino-americanos. 

Em praticamente todas as 16 fontes de estresse mensuradas, os índices no Brasil são mais altos, com destaque por serem responsabilizados pelo desempenho dos alunos (66,3% em comparação a 45,0% na média da OCDE), a necessidade de manter a disciplina na escola (63,8% contra 44,8%) e ter muitas provas/exercícios para corrigir (59,8% contra 40,3%).

Um dos achados mais alarmantes é o percentual de professores que relatam ser intimidados ou ofendidos verbalmente pelos alunos, que no Brasil atinge 46,6%, um valor quase três vezes superior à média da OCDE (17,6%) e o mais alto entre os países latino-americanos analisados.

A sobrecarga de trabalho é um componente central desse cenário de estresse. Professores no Brasil reportam níveis elevados de pressão relacionados ao volume de tarefas, como ter muitas aulas para preparar (51,6%), ter que dar muitas aulas (51,4%) e o excesso de trabalho administrativo (54,4%). Este último item, embora também seja uma forte fonte de estresse na média da OCDE (51,7%), é significativamente mais baixo na Colômbia (30,7%), indicando um desafio burocrático particularmente intenso no contexto brasileiro. Adicionalmente, a responsabilidade pelo bem-estar social e emocional dos estudantes é fonte de estresse para 53,8% dos docentes no Brasil, um índice 13,9 pontos percentuais acima da média da OCDE (39,9%).

Em uma perspectiva regional, o Brasil se posiciona como o país com os mais altos níveis de estresse docente entre os analisados, superando consistentemente Costa Rica, Chile e, de forma mais acentuada, a Colômbia. Essa conjuntura de alta responsabilização, desafios disciplinares, sobrecarga de trabalho e violência verbal no ambiente escolar configura um quadro de vulnerabilidade profissional que pode impactar negativamente a saúde do professor, a qualidade do ensino e a retenção de talentos na carreira docente no país.

Mas eu gosto...

A satisfação dos professores dos anos finais do ensino fundamental no Brasil com a profissão apresenta um quadro de contrastes. Uma expressiva maioria de 93,3% afirma gostar de trabalhar em sua escola atual, e 89,0% recomendariam a instituição como um bom lugar para se trabalhar, estando ambos os índices acima da média da OCDE (90,1% e 83,2%, respectivamente). No entanto, a visão sobre a profissão na totalidade é menos otimista, com apenas 62,3% considerando que as vantagens de ser professor superam claramente as desvantagens, um percentual bem abaixo da média internacional (73,9%).

Já os professores dos anos iniciais demonstram uma satisfação geral e um comprometimento com a carreira notavelmente altos, apesar de reconhecerem as dificuldades da profissão. A maioria (91,3%) se declara, de modo geral, satisfeita com seu trabalho, superando a média da Talis (87,5%). Além disso, 77,2% afirmam que, se pudessem decidir novamente, ainda escolheriam ser professores, um índice também superior à média Talis (71,1%), e a taxa de arrependimento na escolha da profissão (11,1%) é inferior à média internacional (12,9%). Essa forte adesão à profissão coexiste com uma percepção mais crítica sobre seus desafios, já que o percentual de docentes que consideram que as vantagens da carreira superam as desvantagens (64,8%) é inferior à média da Talis (70,9%).

Com informações da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis) 2024.

@inep_oficial @the_oecd

Acesse a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis/2024)>>