Mineração provoca 875 conflitos em 736 localidades do país
Minas Gerais, Pará, Bahia e Alagoas concentram o maior número de ocorrências de conflitos, atingindo principalmente pequenos proprietários rurais e indígenas
22 DEZ 2025 - 15H11 • Por Wilson LopesAs cidades de Maceió (AL), Barcarena (PA) e Brumadinho (MG) lideram o ranking nacional de municípios com o maior número de conflitos e ocorrências causados pela mineração. Em 2024, pela primeira vez desde o início do mapeamento do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil, Brumadinho (24) não foi o município com mais localidades em conflito no país, sendo superado por Maceió (42). O caso de Brumadinho (24) refere-se aos desdobramentos do rompimento da barragem da Vale S.A.
Os dados integram o relatório anual Conflitos da Mineração no Brasil 2024, publicação do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que tem o objetivo de visibilizar, sistematizar e monitorar as violações cometidas pelo setor mineral brasileiro nos meios urbano e rural.
Segundo o relatório, foram identificadas 875 ocorrências de conflito distribuídas em 736 localidades, em todos os estados brasileiros, com exceção do Distrito Federal, envolvendo 1.057.950 pessoas.
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Dos 26 estados com registros, os que mais concentraram ocorrências de conflito foram Minas Gerais (35,2%), Pará (17,8%), Bahia e Alagoas (6,9%). Minas Gerais também liderou o número de pessoas atingidas (77%), seguido por Pará (8%) e Alagoas (6,5%).
O bioma com o maior número de registros de conflito foi a Mata Atlântica (46%), seguido da Amazônia (32%), Cerrado (11%) e Caatinga (9%).
Entre as 150 empresas maiores violadoras mapeadas pelo relatório estão a Vale S.A. e a Samarco-Vale-BHP, com 96 ocorrências cada, seguidas pela Braskem (43 ocorrências), Hydro (36), Belo Sun Mining Ltda (20), Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (17), Anglo American (16), Companhia Siderúrgica Nacional (16), Mineração Vale Verde (12) e SIGMA (12).
Os conflitos por terra e por água continuaram os mais recorrentes, com 503 (57,5%) e 281 (32,1%) ocorrências, respectivamente. A extração ilegal de minério, em particular os garimpos, gerou 212 ocorrências em 155 localidades de 18 estados, representando 24,2% das ocorrências de 2024, quase ¼ do total.
As ocorrências de violências extremas identificadas foram invasões (101), intimidação (58), morte de trabalhadores (32), ameaça de morte (19), trabalho escravo (19) e expulsões.
As categorias sociais mais atingidas pela mineração foram os pequenos proprietários rurais (13,3%), indígenas (12,3%), população urbana (10,6%) e trabalhadores em geral (8,7%).
Ampliação espacial dos conflitos
Segundo o professor de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luiz Jardim Wanderley, que coordenou a pesquisa, apesar de alto, o número de atingidos foi quase duas vezes menor na comparação com o relatório de 2023. Mas, em contrapartida, houve ampliação espacial dos conflitos, com 329 novas localidades registradas.
“Nós tivemos mais de 300 conflitos em localidades que não tinham apresentado conflitos ainda. O que a gente entende é que primeiro, nós temos dificuldade de enxergar todos os conflitos existentes e, dependendo da visibilidade, a gente consegue ou não os enxergar”, avaliou.
Vale
A Vale informou, por meio de nota, que “tem o compromisso de gerir riscos e impactos de suas operações e tem avançado continuamente em processos que visam à segurança das pessoas e contribuem para o relacionamento respeitoso e construtivo com as comunidades onde a empresa atua. Para isso, mantém canais de diálogo abertos e incentiva o engajamento ativo das populações locais nos processos de tomada de decisão, articulando diferentes áreas internas para gerenciar riscos, apoiar o desenvolvimento local e fortalecer relações baseadas na transparência e na confiança”.
No âmbito da reparação de Brumadinho, a Vale esclarece que “já executou mais de 81% dos R$ 37,7 bilhões previstos no Acordo de Reparação Integral firmado em 2021. Desde 2019, cerca de 17,5 mil pessoas fecharam acordos de indenização individual, totalizando R$ 4 bilhões. Além das indenizações, a empresa prioriza a escuta ativa das comunidades atingidas: entre janeiro de 2023 e agosto de 2024, foram realizadas 681 reuniões em 214 comunidades da Bacia do Paraopeba e Brumadinho, envolvendo aproximadamente 6.700 participantes.
Samarco
A Samarco informou, em nota, que “assumiu, em novembro de 2024, a responsabilidade direta pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão e vem se dedicando de forma firme e transparente à prestação de respostas à sociedade e às comunidades atingidas. Esse compromisso se traduz tanto na adoção de uma operação mais segura, sem barragens de rejeitos e com monitoramento contínuo, quanto em avanços concretos e verificáveis no processo de reparação”.
A mineradora diz ainda que, desde 2015, “foram destinados R$ 70,6 bilhões para as ações de reparação e compensação, incluindo R$ 33,8 bilhões pagos em 777,4 mil acordos de indenização individual, a conclusão das obras dos novos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu, iniciadas antes do Novo Acordo do Rio Doce, e a continuidade de uma série de ações de preservação, restauração e compensação ambientais. Além disso, a empresa adota o Padrão Global da Indústria sobre Gestão de Rejeitos (GISTM), e todas as nossas estruturas geotécnicas estão estáveis, conforme auditorias e certificações legais”.
CSN
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) Mineração também se manifestou por meio de nota, afirmando que a companhia não teve acesso prévio ao relatório nem foi contatada pelos pesquisadores, não podendo, assim, se manifestar. “Cabe observar que a Companhia Siderúrgica Nacional não atua apenas no segmento de mineração, mas sim nos setores de siderurgia, mineração, logística, cimentos e energia. Portanto, compilar informações de diferentes segmentos em um único estudo supostamente direcionado ao setor de mineração, pode, indubitavelmente, resultar em interpretações imprecisas e distorcer os seus resultados”.
O texto diz ainda que “nesse contexto, torna-se ainda mais relevante reafirmar que a CSN conduz suas operações em estrita observância à legislação ambiental, trabalhista e minerária aplicável, adotando práticas responsáveis de gestão, transparência e governança socioambiental”.
Contradição das empresas
Na avaliação de Luiz Jardim, coordenador da pesquisa, realmente é surpreendente como essas empresas dizem que são social e ambientalmente preocupadas, mas são elas [Vale e Samarco] que têm o maior número de conflitos.
“Isso mostra, primeiro, uma contradição das empresas. Apesar de dizerem que cumprem políticas sociais e ambientais rigorosas, produzem uma enormidade de conflitos e impacto nas comunidades”.
Jardim disse também que essas duas mineradoras são causadoras dos maiores desastres ambientais da história desse país.
“A gente tem a violação dos direitos e conflitos ligados à Samarco ao longo do Rio Doce inteiro, com mais de dez anos de conflitos, em diferentes localidades, em diferentes municípios e comunidades”, acrescentou.
O coordenador da pesquisa disse que a Vale, além dos conflitos provocados na região de Minas Gerais, no Rio Paraopeba, tem também inúmeras plantas no Pará, na ferrovia Carajás, nas áreas de porto.
A Agência Brasil tentou, mas não conseguiu contato com os demais citados na reportagem, mas está aberta a divulgar as manifestações dessas empresas nesse espaço.
Com informações de Douglas Corrêa, Agência Brasil.
Acesse o relatório Conflitos da Mineração no Brasil 2024>>
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