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Cada ideia...

"O que foi que fez desmoronar? O que foi que fez cair a barreira? O peso das árvores"

Vereador de Caxias do Sul propõe retirar árvores das margens das estradas para evitar desastres e facilitar equipes de resgate

16 MAI 2024 - 13H00 • Por Wilson Lopes
Criação de Frente Parlamentar de Enfrentamento às Mudanças Climáticas em Caxias do Sul se transforma em debate sobre a retirada de árvores das margens das estradas - Marines Bertuol

A 427ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Caxias do Sul, munício gaúcho de 463.501 habitantes, a 132km de Porto Alegre, realizada em 14/05/2024, apresentava como pauta única da Ordem do Dia a discussão e votação de um requerimento de autoria coletiva para a instalação da Frente Parlamentar de Enfrentamento às Mudanças Climáticas.

Nada mais pertinente, tendo em vista a catástrofe climática que afetou 446 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, incluindo a própria cidade de Caxias do Sul.

Conforme o requerimento, a Frente Parlamentar terá duração até o final da atual legislatura (31/12) com a intenção de tomar medidas urgentes e eficazes para enfrentar as mudanças climáticas e mitigar seus impactos, promovendo o debate, a formulação de políticas públicas e a implementação de ações concretas para combater esses desafios.

Entre os principais objetivos estão:

A culpa é da árvore

Ao colocar em discussão o projeto, a presidente da Câmara Municipal, Marisol Santos (PSDB), deu início à uma aula sobre temas curriculares como história, geografia, biologia, ciência; outros extracurriculares, como sustentabilidade, mudanças climáticas, políticas públicas, governança; e, outros, que a vida deveria nos ensinar, como resiliência, empatia e bom senso. 

A Agência Cidades fez um recorte de algumas falas, que podem ser conferidas na íntegra (Ipsis litteris – Legix) na ata da Câmara Municipal, no link ao final da matéria. 

Vereadora Estela Balardin (PT) é autora do projeto e diz que o desastre não é natural, mas sim, uma tragédia premeditada (Marinês Bertuol)

VEREADORA ESTELA BALARDIN (PT): “Então, é importante nós pensarmos. E eu trouxe isto no meu Grande Expediente, que a gente tem esse fato, essa tragédia que aconteceu no nosso estado, infelizmente, não como algo natural, não apenas como um desastre natural, mas sim, também, como uma tragédia premeditada... E essa é uma tarefa que apenas nós podemos fazer, que nenhuma das outras pessoas da nossa cidade pode fazer, que nós 23, aqui dentro desta Casa Legislativa, temos em nossas mãos. Que só nós, só nós 23 vereadores, podemos fazer. Só nós podemos pensar politicamente as ações, politicamente as discussões que a gente quer trazer para a nossa cidade... A gente sempre ouviu, inclusive na escola, que é importante que o meio ambiente seja um debate para o futuro, que a gente debata a questão ambiental para o futuro e hoje em dia, com tudo que está acontecendo, com a quantidade de mudança climática, com a quantidade de extremidade climática que a gente vive, a gente vê que não é mais um debate apenas para o futuro, que é um debate extremamente importante para o presente, que a gente precisa debater agora, precisa debater hoje.”

VEREADORA ROSELAINE FRIGERI (PT): “Nós vamos precisar de novos parâmetros de adaptação, de regularização, de regulamentação de questões ambientais, nas urbanística. Enfim, de um conjunto de medidas. E só a ciência, eu acredito muito nisso, só a ciência poderá dar esta resposta... Essas três últimas enchentes não são apenas uma tragédia da natureza, do acaso.”

VEREADOR LUCAS CAREGNATO (PT): “Ou nós politizamos o debate, trazemos para a baila as questões que envolvem a mudança climática, com mudanças efetivas no médio e no longo prazo, ou todas as pesquisas indicam que a humanidade, especialmente a nossa espécie, vai sofrer as consequências... Nós vamos ter que recrudescer algumas coisas daquilo que compete ao município... Famílias, centenas, que estão em locais que, em um futuro, talvez próximo, vão precisar se deslocar; e aí vai ser uma intervenção do poder público para garantir a segurança e a vida dessas pessoas.”

VEREADORA TATIANE FRIZZO (PSDB): “A gente realmente vê que o desafio é muito grande e que a gente vai ter, sim, que fazer um esforço coletivo no sentido de pensar em ideias, em adaptações em mudar a nossa consciência com relação a como a gente lida com a natureza e compreender que os recursos são finitos.”

Vereador Sandro Fantinel (PL) diz que, quando acontecem as tragédias, as barreiras caem por causa das árvores e as ambulâncias, a polícia e os bombeiros não conseguem chegar nas pessoas (Vitor Ló)

VEREADOR SANDRO FANTINEL (PL): “Tirando fora Mato Grosso e Amazônia, o Rio Grande do Sul é o estado que mais tem verde. E nós estamos enfrentando leis ambientais extremas, impedindo o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, por causa do meio ambiente... Os estados que detonaram as suas florestas, que destruíram o seu verde e que hoje têm um bolsão de ar quente impedindo que a umidade da Amazônia entre em cima dos seus estados estão mandando tudo isso para cá. É um corredor. E assim, eu acompanho muito o Serjão, que é o Sérgio Sacani*, um dos nossos cientistas, que estava explicando como é que está funcionando esse corredor, por que está funcionando e por que ele vai continuar funcionando. Então, nós temos que encontrar soluções e discutir nessa frente soluções que resolvam. Por exemplo, eu vi o vereador Lucas falar na questão daquelas famílias que podem ser atingidas, que estão em uma zona de risco, que a gente precisa tirar para colocar em um lugar seguro. Quanto essas pessoas vão ter que esperar para que o meio ambiente permita que se tire uma mata em um lugar seguro para se colocar essas pessoas? Quanto nós vamos esperar? Porque o problema não é nem tanto o Executivo, os projetos e nem... O problema é: Passou Semma**? Passou no meio ambiente? Passou na Fepam***? Não passa. “Não, porque lá não pode tocar, porque não sei o quê, por que é isso, porque aquilo, aquele outro. Porque tem a nascente X, porque tem a mata nativa aquela, não pode mexer.” Então eu quero que fique registrado nos Anais desta Casa o que eu vou dizer agora, porque eu vou apresentar, e não me importam os comentários que vão vir depois, eu vou apresentar um projeto nesta Casa para que todas as estradas principais, não qualquer estrada, nas estradas principais do interior seja retirada a vegetação cinco metros para cada lado. Por quê? Porque todas as barreiras que caíram na minha região, Fazenda Souza, Vila Oliva, Santa Lúcia e alguns outros locais, mesmo aqui na Rota do Sol, que estourou a doutora... Por quê? O que foi que fez desmoronar? O que foi que fez cair a barreira? O peso das árvores. Porque o solo encharcado as raízes não segura mais. A árvore, com o seu peso, despenca junto com a terra e faz todos os desastres que nós vimos aí. Se tivesse cinco metros de vegetação retirada, cada lado de cada estrada do interior, as estradas principais... Ali em São Roque, que aconteceu ontem, que o prefeito prontamente mandou fazer um paliativo, mas o pessoal está conseguindo passar. Enfim, o que foi que causou? O peso das árvores. Então, beira de estrada, tem que tirar cinco metros para cada lado. Não interessa se é mata nativa, não interessa se é pinheiro, não interessa o que é. O que vale? A vida humana, a vida humana. Quantos se perderam nessa situação? Então nós temos que discutir esse tipo de coisa, soluções concretas. Bate papo, a gente já está cansado de bate papo. Eu acho ótima a criação dessa Frente. Parabenizo quem apresentou. Mas nós temos que discutir esse tipo de coisa: soluções. E para concluir, senhora presidente, esse mesmo cientista que eu sigo ali, o Sérgio Sacani, ele disse o seguinte: Solução para essas enchentes que aconteceram no Rio Grande do Sul, no mundo já existe em muitos lugares, e foi solucionado. Houve interesse dos governos de fazer um investimento? Houve interesse de, pelo menos, sequer fazer um estudo, apresentar um projeto e dizer “oh, está aqui, a solução é esta, nós só não temos condições agora de fazer, mas temos a solução”? Eu não vi. Eu não vi. Então era isso que eu queria dizer. Serei favorável, senhora presidente.” 

Vereador Rafael Bueno (PDT) diz que está do lado da ciência, dos livros, dos pensadores e que planejar a cidade é função do vereador (Marines Bertuol)

VEREADOR RAFAEL BUENO (PDT): “Agora, colegas, vereador Fantinel, o senhor tira cada ideia... Eu sei que o senhor fala para um público específico, o senhor está se direcionando para um público específico. Mas eu tenho a minha última formação que é licenciatura em geografia. Enquanto o senhor falava, eu acho que eu fiquei pensando, assim, no meu professor, quando eu tive aula, mas lá no ensino fundamental ainda, sobre biomas, sobre os biomas brasileiros. Eu agora, recentemente formado, eu pensei: “Acho que botei meu diploma no lixo. Eu acho que vou ser aluno do professor Fantinel.” Eu não sei de onde, nesses grupos de Whats, o senhor tira tanta fake news para espalhar. O que o senhor está falando, vereador, e eu peço assim, olha... Como é que o senhor incentiva o desmatamento? Aí corta cinco metros de árvore de um lado, corta cinco metros do outro lado, o que vai acontecer? O senhor sabe o que vai acontecer, vereador? Então, uma, duas árvores é insignificante perto do que pode acontecer para o meio ambiente. Não é uma árvore que vai interferir, é todo o ecossistema, vereador. Então, não sei quem que é esse professor aí que o senhor fala, mas acho que o senhor vê muito videozinho de Whats, sabe? Que bom que tem a Fepam, que bom que tem... Que bom que tem esses órgãos que fiscalizam, que barram, que são contra o desmatamento, que são contra licenciar em áreas que podem afetar o meio ambiente. Que bom que tem esses órgãos. Deveriam de ser mais... Olhar mais ainda, porque se olhasse mais ainda talvez não teria tanto desastre no nosso estado, no nosso país. Então assim, olha, eu voto favorável. Mas vereador Fantinel...”

VEREADOR RAFAEL BUENO (PDT): “Bom, eu pesquisei em um site confiável aqui de geografia e, só para restabelecer a verdade, os estados com maior proporção de floresta são Amazonas; Acre e Amapá; e, na sequência, o Mato Grosso. Então, vereador Fantinel, só para dizer que Mato Grosso, o senhor falou que Mato Grosso é um dos estados que tem menos árvores, ele é um dos estados que mais tem árvores. E quando a gente fala, eu volto a incentivar a fala que a gente tem que plantar árvores, vereador Dambrós, porque essa fala de cortar árvores...”

VEREADOR SANDRO FANTINEL (PL): “Senhora presidente, eu nem ia me manifestar, mas como é necessário... Eu gostaria de dizer, vereador Rafael, que a sua fala ela condiz 100% com os vereadorzinhos de apartamento. Pessoas que moram em apartamento e que não têm o mínimo, do mínimo, do conhecimento do que é viver no interior. Outra coisa, o senhor citou aí que eu disse que o Mato Grosso não tinha mata, revisem os Anais aí e vocês vão ver o que eu disse. Em segundo lugar, 90% do problema de socorrer pessoas e vítimas, no interior, quando acontece esse tipo de coisa, são quedas de árvores no meio das estradas, que os bombeiros não dão conta de cortar as árvores para passar com a ambulância para poder salvar as pessoas, ou que tem coragem de dizer que isso é mentira. Alguém aqui tem coragem de dizer que isso é mentira? E por acaso aqui eu falei que eu sou contra plantar árvore? Tira os cinco metros do lado das estradas e planta das árvores em outro lugar, aonde não vai correr risco de vida e nem muito menos impedir o salvamento de pessoas quando acontece esse tipo de coisa. O Fantinel não é contra a natureza e muito menos contra plantar árvore. Plantem as árvores em outro lugar e não na beira das estradas, porque eu estou lá presente quando que acontece essas tragédias, as barreira que caem, as pessoas que ficam feridas, as ambulâncias que não conseguem passar, a polícia, os bombeiros. Ninguém consegue acessar. Tem 200 motosserras trabalhando para poder chegar nas pessoas. Eu teria vergonha na cara de fazer um comentário desse. E outra, vou apresentar o projeto e vamos ver se o público que vai estar aqui presente no dia que o projeto for apresentado é o público de apartamento ou é o público que sofre essas realidades. Voto sim, senhora presidente.”

VEREADOR RAFAEL BUENO (PDT): “Vereador Fantinel, eu moro em uma residência, em uma casa, mas eu prefiro morar em apartamento e estar aliado aos livros e à ciência do que estar aliado ao grupo de Whatsapp como o senhor faz e disseminar fake news. Eu estou ao lado da ciência, prefiro estar ao lado dos livros, dos pensadores e planejar uma cidade, e é que isso que a gente tem que fazer aqui enquanto vereador, legislador; é planejar, olhar a cidade, olhar a cidade e o interior, olhar as pessoas, não ficar só olhando o celular e disseminar a fake news, que é o que o senhor fala e faz aqui dentro. As falas do senhor, vereador, não condiz com a realidade. Eu até olhei o professor que o senhor seguiu... Vereador Fantinel, eu admiro senhor pela coragem que o senhor tem de ocupar um espaço importante e sagrado que são os microfones da segunda maior cidade do Estado do Rio Grande do Sul, o Brasil está voltado para a nossa cidade, para as nossas ações. O mundo está desembarcando aqui em Caxias do Sul com doações. E nós serviremos, colegas vereadores, como inspiração para outras cidades, as nossas atitudes aqui na Câmara de Vereadores, para que nós possamos dar luz para as cidades do interior, cidades de médio porte, para políticas públicas. E por isso a importância de a gente discutir temas relevantes, e que a ciência, que técnicos, que servidores que tenham a expertise, que tenham a ciência como o norte, sejam ouvidos. E não achismos de fake News ou de grupinho de Whatsapp, onde um fala e fica disseminando.”

Ao final da aula, e dos debates acalorados, o requerimento para a instalação da Frente Parlamentar de Enfrentamento às Mudanças Climáticas foi aprovado por unanimidade pelos vereadores de Caxias do Sul. O documento é idealizado pela vereadora Estela Balardin (PT), com as assinaturas dos vereadores Alexandre Bortoluz (PP), Felipe Gremelmaier (MDB), Lucas Caregnato (PT), Rafael Bueno (PDT), Renato Oliveira (PcdoB), Rose Frigeri (PT), Tatiane Frizzo (PSDB) e Zé Dambrós (PSB).

Acesse a Ata da 427ª SESSÃO ORDINÁRIA>>

* Sérgio Sacani Sancevero é um geofísico, youtuber, podcaster, dono do blog Space Today e apresentador do canal Ciência Sem Fim.

** Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SEMMA)

*** Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)

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