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Atlas da Violência

"Prefeituras podem disputar a atenção dos jovens com o crime organizado"

Para especialista, prefeituras têm potencial de ser protagonistas em segurança pública, por meio de ações de educação, cultura e mercado de trabalho

21 MAI 2025 - 14H20 • Por Wilson Lopes
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Apesar de a Constituição Brasileira não atribuir responsabilidade direta aos municípios em relação à segurança das pessoas, as prefeituras têm potencial de ser protagonistas em questões de segurança pública. A avaliação é do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Daniel Cerqueira, um dos coordenadores do Atlas da Violência.

“O município tem um papel protagonista”, afirmou Cerqueira, ao ser questionado pela Agência Brasil sobre qual deve ser o papel das prefeituras na questão. Segundo ele, o fato de a Constituição estabelecer que a segurança pública é exercida por instituições como as polícias Civil e Militar acaba “levando ao erro” de entender que é coisa exclusivamente de estados.

“Não é”, frisa Cerqueira. “Segurança pública é um assunto de todos, mas o prefeito e o município podem ser exatamente o ator principal dessa história”, considera.

As declarações de Cerqueira foram feitas pouco depois de o Altas da Violência revelar que o país teve 45,7 mil mortes violentas em 2023, sendo 71% delas por armas de fogo.

O estudo é elaborado pelo Ipea, vinculado ao governo federal, e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), organização sem fins lucrativos formada por profissionais de segurança pública, do Judiciário, acadêmicos e representantes da sociedade civil.

O documento coletou dados de fontes oficiais, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pela contagem da população, e o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos do Ministério da Saúde.

Daniel Cerqueira acredita que ações que já acontecem em algumas cidades mostram que é possível realizar ações como a criação de um gabinete de gestão integrada municipal (Jose Cruz/ABr)

Guarda e ações sociais

Ao indicar como as prefeituras podem ser protagonistas em segurança pública, o pesquisador do Ipea aponta que os municípios são o ente federativo que está mais próximo à população, de forma que pode “disputar com o crime organizado” para tirar jovens da criminalidade, “entrando nessas comunidades, nessas favelas, fazendo com que esses meninos passem a sonhar”.

“Política de segurança que envolve a prevenção social é fundamental, e aí o município é importante”, diz. “O município é quem está mais junto com a população”, completa Cerqueira, apontando áreas de atuação, como saúde, educação, mercado de trabalho e cultura.

O pesquisador acrescenta ao cenário o papel das guardas municipais, que podem ser um elemento de policiamento comunitário. Ele reforça que cidades que estão armando as forças municipais não podem seguir o caminho de policiamento ostensivo, como a Polícia Militar, “com bombas e tiros de helicóptero”, por exemplo.

“O papel da guarda municipal é servir de elo do Estado com a comunidade, para que a gente possa fazer fluir uma coisa que dá certo em todos os países – e por que que não daria aqui no Brasil? – que é o policiamento comunitário, comunidade e polícia juntas”, sugere Daniel Cerqueira.

O Atlas da Violência mostra que, apesar das quase 50 mil mortes violentas em 2023, a taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes atingiu o mais baixo patamar em 31 anos. Ao elencar motivos, um dos fatores ressaltados pelos pesquisadores foi a “reafirmação do papel dos municípios na segurança pública, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é constitucional a criação de leis pelos municípios para que guardas municipais atuem em ações de segurança urbana”.

Mas o estudo adverte para que a decisão do STF “não leve à interpretação equivocada” de que o papel dos municípios se restringiria exclusivamente às guardas municipais.

“O município pode ocupar um papel estratégico nas políticas multissetoriais de prevenção social ao crime, começando pelas ações que visam o desenvolvimento da primeira infância”, afirma trecho do Atlas.

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Impasse na Justiça

Algumas cidades caminham para armar as guardas municipais. No Rio de Janeiro, acordo entre a prefeitura e a Câmara Municipal levou à aprovação de um projeto que autorizou a mudança.

Em São Paulo, a intenção de mudar o nome da Guarda Civil Metropolitana para Polícia Municipal foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Outras três cidades paulistas – Itaquaquecetuba, Ribeirão Preto e São Bernardo do Campo – enfrentaram o mesmo obstáculo.

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PEC da Segurança

No último dia 24 de abril, o governo federal apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. Entre outras questões, o texto, que altera o Artigo 144, que trata da segurança pública, concede mais poder às guardas municipais.

“Às guardas municipais será admitido o exercício de ações de segurança urbana, inclusive o policiamento ostensivo e comunitário”, consta trecho da PEC.

Atualmente, o Artigo 144 se refere apenas duas vezes a municípios. Uma quando trata de segurança viária, quando reconhece agentes municipais de trânsito, e outra quando autoriza criação de guarda limitada à questão patrimonial.

“Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações”, legisla o Parágrafo 8º.

A PEC iniciou a apreciação pela Câmara dos Deputados e está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). A CCJC aprovou a realização de uma audiência pública sobre o tema.

Um dos capítulos do Atlas da Violência cita a PEC da Segurança Pública e, ao tratar das guardas municipais, destaca “a necessidade de haver mecanismos de controle social dessas organizações, por meio das ouvidorias e corregedorias”.

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Gestão integrada

O pesquisador Daniel Cerqueira acredita que ações que já acontecem em algumas cidades mostram que, mesmo sem qualquer alteração na Constituição, é possível realizar ações como gabinete de gestão integrada municipal, que ele define como um sistema de segurança pública que permita a integração e a coordenação de esforços.

“A guarda municipal, as polícias, eventualmente a Polícia Federal e a Rodoviária, participando das reuniões, nas quais vão discutir o diagnóstico daquele município, o que precisa ser feito, sendo definido uma matriz de responsabilidades”, orienta.

Na avaliação de Cerqueira, basta o prefeito atuar como um articulador político para fazer funcionar o gabinete de gestão integrada.

“A gente pode fazer muito a curto prazo apenas com reformas, com incrementos gerenciais. Basta disposição política”, afirma.

O pesquisador acrescenta ainda que é preciso deixar de fora divergências políticas.

“Se você joga a questão da segurança pública para um embate ideológico político, o que que vai acontecer? O prefeito não vai querer, muitas vezes, saber de conversa com o governador e com as polícias, porque é de outro partido. Quando a gente ideologiza a segurança, nada acontece”, diz.

Com informações, Bruno de Freitas Moura, Agência Brasil.

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