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29 milhões de motos

Motos representam 22,5% dos veículos, mas causam 38,6% das mortes no trânsito

Em média, 75% das unidades de terapia intensiva dos serviços de urgência dos hospitais estão ocupadas por pacientes vítimas de acidentes de trânsito

7 AGO 2025 - 10H00 • Por Vinícius Lisboa, Agência Brasil.
Acidentes com motocicletas reduziram após liberação da faixa de ônibus em Teresina, no Piauí - Jailson Soares-SEMCOM

A frota de motocicletas no país está em expansão. Segundo a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), o número de veículos motorizados de duas rodas cresceu 42% de 2015 a 2024, quando atingiu o patamar de 35 milhões de unidades no país.

Só no ano passado, o número de motos vendidas aumentou 18,6%, alcançando o maior patamar desde 2011. Para 2025, a expectativa é de mais uma alta, de 7,7%, ultrapassando 2 milhões de emplacamentos em um ano.

Se forem contabilizadas apenas as motocicletas, os veículos em circulação no país eram 29 milhões em junho de 2025, segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Cinco anos antes, em 2020, o país tinha uma frota de 23,4 milhões, o que mostra que houve um acréscimo de quase 6 milhões de motocicletas nas ruas brasileiras.

Victor Pavarino: direito à mobilidade negligenciado

Para o oficial técnico em segurança viária e prevenção de lesões não intencionais da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) no Brasil, Victor Pavarino, o crescimento do uso de motocicletas no Brasil reflete uma alternativa perigosa encontrada por quem teve o direito à mobilidade negligenciado.

“É difícil a gente falar que não se pode ou não se deve usar motos, enquanto, em muitos casos, como em favelas, ela é a única forma que boa parte da população tem para chegar até sua casa e como ganha-pão”, contextualiza Pavarino.

Entre as principais respostas necessárias, o especialista em segurança viária da Opas defende medidas de impacto coletivo, como o fortalecimento do transporte público, a adoção de tarifa zero e o encorajamento dos deslocamentos por caminhada e bicicletas, por meio de cidades mais convidativas ao pedestre e ao ciclista.

Essas medidas precisam ser adotadas para que se interrompa a migração dos usuários de transporte público para as modalidades de transporte individual motorizado, entre as quais a moto é a mais arriscada.

Alternativa perigosa

Doutor em transportes pela Universidade de Brasília, Pavarino descreve que, em cidades construídas para carros particulares e com modais de transporte coletivo com abrangência ou qualidade insuficiente, a moto ganha cada vez mais espaço entre as opções de deslocamento.

Na outra ponta, famílias de menor renda adquirem as motos por serem mais acessíveis que os automóveis, e trabalhadores informais em busca de renda assumem riscos em jornadas exaustivas e sem proteção de vínculos formais ou seguridade social, como entregadores ou mototaxistas de aplicativos.

“Toda a questão do trânsito, por qualquer modal, tem uma ligação direta com as questões sociais e econômicas. Mas, no caso da moto, essa relação é gritante. De certa forma, joga na nossa cara a implicação social, econômica e trabalhista que tem a questão do transporte.”

Frota cada vez maior

Na cerimônia de abertura da Conferência Nacional de Segurança no Trânsito, realizada em Brasília, o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, avaliou que os problemas relacionados ao uso da moto se dão principalmente em cidades médias que vivenciaram crescimento acelerado, sem que houvesse investimentos equivalentes em transporte coletivo. 

Além disso, em seis estados do Norte e Nordeste, as motos representam mais da metade da frota de veículos: Piauí (55%), Pará (54%), Maranhão (60%), Rondônia (51%), Acre (53%) e Ceará (50%).

“A gente não pode tratar esse tema como se fosse de mera escolha individual. O cidadão escolhe a motocicleta porque não deram a ele uma alternativa segura.”

Maior vítima dos sinistros

Juntamente com mais possibilidades de locomoção e trabalho para seus condutores, o aumento da frota no país também tem contribuído para o número de óbitos no trânsito. Segundo o Atlas da Violência 2025, o usuário da motocicleta é, atualmente, a maior vítima dos sinistros de trânsito no Brasil, que registra um aumento do número de mortes desde 2020.

Em 2019, houve 31.945 vítimas do trânsito no Brasil, número que aumentou nos anos seguintes até chegar a 34.881 em 2023. Neste mesmo período, o número de vítimas de sinistros com motos subiu de 11.182 para 13.477.

Esses números mostram que, a cada três pessoas que morrem no trânsito no Brasil, uma foi vítima de um sinistro envolvendo motocicletas. Além disso, entre as quase 3 mil mortes a mais por ano que o país registrou em 2023, em relação a 2019, quase 2,3 mil vieram apenas desses incidentes.

Embora as motos representassem apenas cerca de 22,5% dos veículos em circulação no país em 2023, as colisões, quedas e atropelamentos envolvendo esses veículos causaram 38,6% das mortes no trânsito naquele ano.

Essa mortalidade é ainda mais presente nos estados em que a moto já superou o automóvel. No Piauí, por exemplo, onde elas já passam dos 50%, os sinistros com motos representam quase 70% das mortes no trânsito.

A fiscalização do cumprimento das regras de segurança está entre as principais ações para evitar os danos imediatos (Karol Silva-IMMU)

Respostas imediatas

Ao mesmo tempo, em que é preciso incentivar o transporte público e enfrentar as desigualdades que aceleram o crescimento do uso de moto, os danos imediatos ligados à sua disseminação podem ser reduzidos por medidas de curto prazo. A fiscalização do cumprimento das regras de segurança está entre as principais, explica o especialista Victor Pavarino.

O leque de medidas sugeridas pela Opas, com evidências já observadas, inclui também a obrigatoriedade do uso de luzes de circulação diurna, a garantia de pavimentos de qualidade nas vias, o uso de roupas refletoras de luz, as inspeções periódicas nos veículos e a redução dos limites de velocidade nas cidades.

Nesse cenário, o transporte de passageiros por motociclistas de aplicativos requer regulamentação não apenas na questão das regras de trânsito, mas nos aspectos de saúde do trabalhador, defende Pavarino.

Além de lidar com o cansaço e o desgaste de tantas horas no trânsito, esses motociclistas também precisam conduzir o veículo, muitas vezes levando passageiros inexperientes.

Epidemia

Assim como o número de motos e o de mortes no trânsito, cresce também o de pessoas atendidas nas emergências do Sistema Único de Saúde (SUS) por conta de colisões, quedas, atropelamentos e outros sinistros sobre duas rodas.

Segundo o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, em média, de 70% a 75% das unidades de terapia intensiva adultas, nos serviços de urgência dos hospitais gerais, estão ocupadas por pacientes vítimas do trânsito todo, e a grande maioria dessas pessoas estava usando motos.

O ministro defendeu parcerias com as empresas de aplicativo para haver um esforço de prevenção às infrações de trânsito, como o excesso de velocidade. Além disso, Padilha destacou os estudos realizados pelo governo federal para reduzir os custos para a emissão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Segundo a Senatran, metade das pessoas donas de motocicletas não tem carteira de habilitação.