Logo Agência Cidades

Radar Político da Saúde

Deputados e senadores receitam remédio vencido para a saúde do povo

Projetos apresentados na Câmara e no Senado entram em conflito ou duplicam normas já existentes e só 3% tratam de grupos historicamente negligenciados

14 AGO 2025 - 16H15 • Por Wilson Lopes
O relatório ressalta que muitas propostas criaram obrigações para o SUS sem considerar a lógica do sistema, como as que determinam a incorporação obrigatória de exames, cirurgias ou medicamentos, sem a mediação dos processos técnicos de avaliação - Leonardo Silveira/Prefeitura de Vitoria (ES)

O relatório ‘Radar Político da Saúde – A Saúde no Congresso Nacional em 2024’, publicado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), revela que os deputados federais e senadores da República estão tratando as políticas públicas do Brasil com um nível de desconhecimento que beira a mediocridade.

A partir do monitoramento sistemático das comissões de mérito mais relevantes para a saúde [Comissão de Assuntos Sociais (CAS) no Senado Federal e as Comissões de Saúde (CSAÚDE) e de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) na Câmara dos Deputados], o IEPS analisou 2.568 matérias legislativas que tramitaram nas duas casas ao longo do ano de 2024, das quais aprofundou a observação em 1.314 proposições. Desse total, 683 se transformaram em projetos e 631 em requerimentos. 

A análise da produção mostrou o avanço progressivo do Legislativo sobre atribuições reservadas ao Poder Executivo, com um número expressivo de proposições buscando definir políticas nacionais, criar programas e estabelecer diretrizes operacionais que, em muitos casos, já estão previstas em normas infralegais do SUS. 

Nesse caso, explica o relatório, quando há sobreposição normativa sem diálogo técnico, há risco de conflito com os marcos infralegais vigentes, o que pode gerar insegurança jurídica, engessamento e fragmentação das políticas públicas de saúde.

O IEPS argumenta que é importante reconhecer o papel legítimo do Poder Legislativo na proposição de leis e na fiscalização do Executivo, sobretudo quando há inação ou lacunas de política pública. Contudo, o problema ocorre quando a atuação legislativa desconsidera diagnósticos técnicos ou evidencia a captura por interesses particulares, remodelando políticas existentes sem respaldo em evidências. 

“A presença de grupos de pressão com alta capacidade de mobilização e defesa de interesses específicos pode distorcer a agenda pública, favorecendo pautas setoriais em detrimento de políticas estruturantes que favorecem toda a população”, adverte o relatório.

O instituto observa que parte dessa dinâmica também pode ser explicada pela baixa especialização dos gabinetes parlamentares na pauta da saúde, uma vez que a complexidade técnica do setor, o vocabulário próprio da área sanitária e a multiplicidade de normas vigentes são fatores que podem dificultar a identificação de prioridades envolvendo a regulação de políticas de saúde e a elaboração de proposições que dialoguem adequadamente com o marco regulatório e institucional do SUS. 

Por isso, ressalta o relatório, muitas propostas criaram obrigações para o SUS sem considerar os ritos técnicos e a lógica de funcionamento do sistema, desarticulando instâncias de pactuação federativa e ignorando critérios que orientam a incorporação de novas ações e tecnologias em saúde. 

O IEPS analisou 2.568 matérias legislativas que tramitaram nas duas casas ao longo do ano de 2024, das quais aprofundou a observação em 1.314 proposições

 O que o relatório revela: 

Dos 585 projetos que estabelecem alguma relação com políticas públicas, cerca de 37% dos projetos (26% classificados como contraposição e 11% como sobreposição) entram em conflito ou duplicam políticas de saúde já existentes. 

Em 2024, ¼ das 86 propostas do Congresso Nacional na área da saúde (considerando projetos de lei e indicações parlamentares) voltadas à criação direta de políticas públicas se limita a reproduzir ou sobrepor normas já existentes, sem considerar políticas consolidadas ou incorporar inovações efetivas. 

Esse grupo inclui tanto proposições que aprimoram dispositivos normativos quanto aquelas que promovem alterações pontuais, como a inclusão de diretrizes orientativas ou ajustes em redações já consolidadas.

Entre os 585 projetos identificados com relação a políticas públicas, as propostas voltadas à saúde mental e a condições clínicas específicas refletem preocupações legítimas da sociedade, mas muitas apresentam caráter pontual, desarticulado de políticas nacionais existentes.

Dos 683 projetos analisados, cerca de 14% dos projetos analisados visam principal a realização de campanhas de conscientização ou criação de datas e causas para o reconhecimento simbólico de causas específicas na Saúde. 

Dos 631 requerimentos identificados, 345 (55%) tiveram como objetivo solicitar a realização de audiências públicas e 108 (17%) buscavam alterar os convidados
dessas audiências. 

Apenas 249 das 1314 proposições analisadas (19%) foram classificadas como voltadas a públicos específicos. Dentre elas, 38 tratam da saúde das mulheres (15%). Grupos como povos indígenas, população em situação de rua e comunidades tradicionais seguem com presença residual, representando menos de 3% do total.

Com informações do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
@iepsoficial @camaradeputados @senadofederal @minsaude

Acesse o relatório ‘Radar Político da Saúde – A Saúde no Congresso Nacional em 2024’>>