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Alimento de ouro

Taxa de amamentação em bebês de até seis meses alcança 45,8% no Brasil

Meta da Assembleia Mundial da Saúde é alcançar 70% até 2030 e, para chegar lá, o Senado debate propostas para ampliar políticas públicas que garantam o direito de mães e bebês à amamentação nos ambientes públicos e privados

26 AGO 2025 - 12H21 • Por Elisa Chagas, Valter Gonçalves Jr., Agência Senado.
Alimento mais completo nos primeiros meses de vida, o leite materno fornece todos os nutrientes necessários, fortalece o sistema imunológico e cria um vínculo especial entre mãe e filho - Gilson Abreu/AEN

A Assembleia Mundial da Saúde (AMS) estabeleceu como meta global chegar a 2025 com pelo menos 50% dos bebês em aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida. O objetivo é alcançar 70% em 2030. O Brasil, oficialmente, não atingiu os 50%, mas chegou bem perto. 

Segundo o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) de 2019, a taxa de amamentação exclusiva em bebês de até seis meses alcançou 45,8% no país. O avanço é expressivo: duas décadas atrás, em 2006, o índice era de 37,1%. Há 40 anos, era de apenas 4,7%. Mas é preciso avançar muito mais.

Agosto é o mês de conscientização sobre a importância do aleitamento materno. A campanha ‘Agosto Dourado’ aponta o papel essencial do leite materno para a saúde e o desenvolvimento dos bebês. Alimento mais completo nos primeiros meses de vida, ele fornece todos os nutrientes necessários, fortalece o sistema imunológico e cria um vínculo especial entre mãe e filho. 

Além dos benefícios individuais, a amamentação é também um ato de saúde pública, capaz de reduzir internações, prevenir doenças e contribuir para uma sociedade mais saudável. Especialistas alertam: amamentar é um direito que deve ser protegido, incentivado e apoiado por todos.

A cor dourada foi estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera o leite materno um “alimento de ouro”. No Brasil, a campanha de ‘Agosto Dourado’ foi instituída pela Lei 13.345, de 2017.

Presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Rossiclei Pinheiro reforça que o aleitamento materno melhora a saúde infantil, reduzindo a mortalidade e favorece o desenvolvimento cognitivo. Para ela, a conscientização sobre o tema ajuda a combater mitos, orienta sobre práticas corretas e oferece apoio às mães, incentivando a amamentação.

“Para o bebê, a amamentação oferece proteção imunológica, reduz o risco de infecções e doenças crônicas e promove o desenvolvimento neurológico e cognitivo. Para a mãe, a amamentação ajuda na recuperação pós-parto, reduz o risco de doenças como câncer de mama e ovário e contribui para o controle de peso. A amamentação também fortalece o vínculo mãe-bebê e pode ter efeitos positivos na saúde mental da mãe.”

Benefícios significativos

Rossiclei destaca que a amamentação exclusiva até os seis meses é benéfica em comparação ao uso de fórmulas infantis. Segundo ela, bebês amamentados exclusivamente têm menor risco de infecções gastrointestinais e respiratórias, além de menor probabilidade de desenvolver alergias e obesidade na vida adulta. Já as fórmulas não oferecem as mesmas propriedades imunológicas e podem estar associadas a riscos maiores para a saúde a longo prazo, afirma a médica.

A representante da SBP também ressalta que amamentar gera impactos positivos que vão além da saúde: contribui para benefícios ambientais, econômicos e sociais, ajudando a construir um futuro mais saudável para as famílias e para o planeta.

“A produção de leite materno não exige transporte, refrigeração ou industrialização, o que reduz o efeito estufa e a emissão de gases. A amamentação também reduz custos familiares, pois crianças amamentadas adoecem menos, diminuindo gastos com hospitalizações e medicamentos.”

Colostro

Atento ao assunto, o Senado tem discutido propostas que buscam ampliar o apoio à amamentação no país. A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) é autora do projeto que garante o direito de mães e bebês à amamentação em maternidades e outras instituições de saúde. O PL 2.846/2021 propõe mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 1990) para estabelecer que hospitais e unidades de atendimento a gestantes devem assegurar esse direito, exceto por razões de saúde. A proposta está em análise na Câmara dos Deputados.

Médica e Procuradora Especial da Mulher, Zenaide destaca que a amamentação já oferece benefícios essenciais nas primeiras horas após o parto.

“Na primeira amamentação já sai o colostro, aquela aguinha que ainda não tem a cor do leite. No colostro, a mãe está transferindo à criança todos os anticorpos que ela já tem de defesa formado no próprio corpo. Isso é uma coisa muito grande em termos de salvar vidas.”

A OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomendam que a amamentação comece na primeira hora após o nascimento e seja exclusiva nos primeiros seis meses de vida — ou seja, sem oferecer outros alimentos ou líquidos, nem mesmo água.

 O uso de mamadeiras, bicos ou chupetas não é recomendado devido aos riscos potenciais de interferência na amamentação e outros problemas de saúde (Hully Paiva/Prefeitura Curitiba)

Livre demanda

Os bebês devem mamar sob livre demanda, sempre que desejarem, de dia ou de noite. O uso de mamadeiras, bicos ou chupetas não é recomendado devido aos riscos potenciais de interferência na amamentação e outros problemas de saúde. A partir dos seis meses, a criança deve receber alimentos complementares, seguros e adequados, mantendo a amamentação até os dois anos ou mais.

Dados do Enani mostram que ainda há desafios para atingir as metas da OMS:

Entre crianças menores de dois anos, 96,2% já haviam sido amamentadas alguma vez, mas apenas 62,4% receberam o leite materno na primeira hora de vida.

Segundo a pesquisa, a maioria das crianças recebe aleitamento materno exclusivo apenas até os três meses e a maioria deixa de receber leite materno a partir do 14º mês. Na comparação regional, a maior prevalência foi no Sul (54,3%) e a menor no Nordeste (39%).

O aleitamento materno continuado até o segundo ano de vida foi de 35,5%, abaixo da meta da OMS de 60%. Esse índice foi maior no Nordeste (48%) e menor no Sudeste (23,4%). Entre 12 e 15 meses, mais da metade das crianças (52,1%) ainda mamava, mas esse número caía para 43% entre 16 e 19 meses e para 35,5% aos 20-23 meses.

O estudo também revelou práticas que podem prejudicar a amamentação. Mais da metade das crianças menores de dois anos (52,1%) usava mamadeira ou chuquinha, e 43,9% utilizavam chupeta. 

A amamentação cruzada — a prática de amamentar bebê que não é filho biológico — é contraindicada pelo Ministério da Saúde e foi relatada por 21,1% das mães, com maior ocorrência na região Norte (34,8%). Já a doação de leite materno foi baixa, apenas 4,8% das mães e 3,6% das crianças receberam leite humano de bancos de leite.

Obstáculos

Para a representante da SBP, os principais desafios para que as mães mantenham a amamentação exclusiva até os seis meses são a falta de apoio social e familiar, a desinformação, dificuldades na técnica de amamentar e a preocupação com a produção de leite.

“Além disso, práticas hospitalares inadequadas — como não respeitar a "hora de ouro", quando bebês que nascem saudáveis não são colocados em contato pele a pele imediatamente após o parto — e a introdução precoce de fórmulas infantis podem afetar a amamentação exclusiva desde a alta hospitalar.”

A médica acrescenta que o retorno ao trabalho ainda é um dos maiores desafios para manter a amamentação exclusiva. Para apoiar essas mulheres, Rossiclei defende licenças-maternidade mais longas e flexíveis, além da criação de salas de apoio à amamentação em universidades, escolas e locais de trabalho. Ela também reforça a importância de horários flexíveis e de uma cultura organizacional que valorize e incentive a prática.

Estatuto da Gestante

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) é autor do projeto de lei que cria o Estatuto da Gestante (PL 2.285/2022). Médico, ele afirma que a proposta vai além de garantir o direito de amamentar, prevendo apoio ativo das equipes de saúde às lactantes e incentivo à amamentação exclusiva nos seis primeiros meses de vida. O texto está em análise na Comissão de Direitos Humanos (CDH).

Para o senador, o Parlamento pode assegurar condições de trabalho adequadas para mães que amamentam por meio de medidas como ampliação dos intervalos para aleitamento, flexibilização de horários, redução temporária da jornada e garantia de estabilidade no emprego.

“Deve-se implementar não apenas uma fiscalização eficiente, mas também incentivar as empresas a adotarem essas ações, promovendo um ambiente corporativo que valorize e facilite a continuidade da amamentação no retorno ao trabalho.”

Ele ressalta que muitas mulheres interrompem a amamentação antes do tempo recomendado por dificuldades para conciliar o trabalho com os cuidados do bebê. Na avaliação do parlamentar, é preciso ampliar a licença-maternidade, criar licença compartilhada com os pais, apoiar mulheres autônomas e combater a discriminação no mercado de trabalho.

A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), relatora do projeto que criou o selo Empresa Amiga da Amamentação (Lei 14.683, de 2023), afirma que, além de assegurar a aplicação efetiva da licença-maternidade e das pausas para amamentar, é necessário ampliar a rede de apoio no ambiente de trabalho.

“Isso inclui a instalação de salas de amamentação, flexibilização de horários, incentivo ao teletrabalho quando possível e campanhas permanentes de conscientização. Reconhecer publicamente as empresas que adotam essas medidas, como faz o Selo Empresa Amiga da Amamentação, é um estímulo para que mais organizações adotem boas práticas.”

Segundo a senadora, cabe ao Parlamento fiscalizar a execução das políticas públicas e incentivar parcerias com órgãos públicos e privados, para que o retorno da mãe ao trabalho não se torne um obstáculo à continuidade da amamentação.

Vulnerabilidade social

Rogério Carvalho destaca que mulheres em situação de vulnerabilidade social enfrentam ainda mais obstáculos para manter o aleitamento materno. Segundo ele, mulheres negras e de baixa renda são as mais afetadas, lidando com dificuldades para obter atendimento médico adequado, problemas de transporte e outras barreiras.

Para alcançar esse público, a senadora Daniella Ribeiro defende que as políticas de amamentação sejam integradas a programas sociais e de saúde pública, garantindo acesso à informação, atendimento nas unidades básicas de saúde e apoio logístico, como transporte e locais seguros para amamentar.

Em 5 anos, mais de 86 mil bebês foram atendidos pelos bancos de leite do Paraná (Banco de Leite Humano de Londrina)

Mulher que amamenta pode ser doadora 

A doação de leite materno é essencial para ajudar na recuperação de bebês prematuros ou de baixo peso internados em UTI neonatais, que têm muitas vezes dificuldade para mamar. Toda mulher que amamenta pode ser doadora, desde que seja saudável e não use medicamentos que prejudiquem a amamentação.

Segundo a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, 198,6 mil mulheres realizaram doação de leite em 2023, possibilitando o atendimento de 225,7 mil recém-nascidos. No total, foram coletados 253,2 mil litros de leite ao longo do ano. Já em 2024, 193,2 mil doadoras contribuíram para beneficiar 219,3 mil bebês, com um total de 245,7 mil litros de leite coletados. Até maio de 2025, os bancos de leite já contabilizaram 78,3 mil doadoras, que ajudaram a alimentar 95,7 mil recém-nascidos. Nesse período, foram arrecadados 100,4 mil litros de leite.

A doação de leite materno ajuda a garantir o desenvolvimento saudável de bebês prematuros ou de baixo peso internados em unidades neonatais. Durante a abertura da Semana Mundial da Amamentação, o Ministério da Saúde anunciou o investimento de R$ 40,6 milhões para fortalecer os 226 bancos de leite humano do Brasil. A medida visa ampliar a coleta e distribuição de leite, apoiar profissionais de saúde e garantir a segurança alimentar de recém-nascidos.

Políticas públicas

A representante da SBP afirma que o Brasil tem avançado de forma significativa nas políticas públicas de incentivo à amamentação. Entre as ações, destaca-se a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, que promove práticas favoráveis ao aleitamento materno, e a ampliação da licença-maternidade para seis meses em empresas participantes do programa Empresa Cidadã. Rossiclei também ressalta que o país realiza campanhas de conscientização e conta com leis que garantem o direito de amamentar em locais públicos.

A médica defende que é necessário fortalecer as políticas de apoio às mães trabalhadoras, sensibilizar empregadores sobre a importância da amamentação e aprimorar o treinamento de profissionais de saúde para oferecer suporte eficaz às mães.

Rogério Carvalho reforça o papel do Senado na ampliação dessas políticas, por meio da promoção de debates, realização de audiências públicas e definição de diretrizes para melhorar os serviços públicos.

Licença-paternidade

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) divulgou, neste mês, uma Carta Aberta em defesa da ampliação da licença-paternidade. O documento ressalta que a presença do pai nos primeiros meses de vida do bebê é essencial para fortalecer o vínculo familiar e aumentar as chances de sucesso da amamentação.

A iniciativa faz parte dos esforços da Coalização Licença Paternidade (CoPai), que reúne organizações da sociedade civil, entidades científicas e especialistas. O texto também apoia propostas em análise no Congresso Nacional que buscam ampliar o período de afastamento dos pais, atualmente limitado a cinco dias.

Segundo a SBP, estudos indicam que pais que têm pelo menos quatro semanas de licença contribuem mais para a amamentação, fortalecem o vínculo afetivo e dividem de forma mais equilibrada os cuidados com a mãe e o bebê.

O Estatuto da Gestante pretende garantir o direito de amamentar, prevendo apoio ativo das equipes de saúde às lactantes e incentivo à amamentação exclusiva nos seis primeiros meses de vida (Thiago Freitas/Governo do Ceará)

Composto lácteo

O senador Confúcio Moura (MDB-RO), também médico, apresentou projeto de lei para definir o que é composto lácteo. Pelo texto, rótulos e promoções comerciais desses compostos deverão informar que o produto não substitui o aleitamento materno nem deve ser oferecido a crianças menores de 1 ano. A proposta exige ainda que embalagens e rótulos diferenciem o composto de outros produtos.

Segundo o parlamentar, o PL 3.828/2019 tem objetivo de criar uma política pública informativa, conscientizando a população de que o composto lácteo é um alimento de transição, a ser usado apenas em situações específicas e com orientação médica.

Para Confúcio Moura, o consumidor não tem informações suficientes para avaliar, de forma adequada, os riscos do consumo desses compostos. O senador afirma que as falhas na oferta desses produtos podem induzir o consumidor ao erro.

“Composto lácteo é uma mistura de leite — 51% no mínimo — e de ingredientes diversos, como soro de leite, óleos vegetais, açúcar e substâncias químicas para dar sabor, aroma e aumentar a durabilidade. Ou seja, esse composto não é leite puro e muitas pessoas compram achando que é leite, mas o valor nutricional é baixo — explica.”

Para o parlamentar, o Senado tem o dever constitucional de fechar todas as brechas na legislação e cobrar, de forma incisiva, que órgãos e instituições envolvidas reforcem a importância da amamentação. Ele defende a promoção de políticas públicas eficazes e a eliminação de qualquer tipo de desinformação ao consumidor.

Publicidade

A representante da SBP alerta para a urgência de fiscalizar o marketing de produtos que competem com a amamentação, já que o uso de fórmulas infantis, bicos, chupetas e mamadeiras está associado ao desmame precoce.

Em maio, durante a 78ª Assembleia Mundial da Saúde, a OMS aprovou uma resolução que atualiza o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno. Pela primeira vez, o texto traz regras específicas para fiscalizar e controlar o marketing digital de fórmulas infantis e alimentos para bebês e crianças pequenas. A proposta foi liderada pelo Brasil.

A resolução reforça a importância de medidas firmes para proteger a saúde de lactentes e crianças pequenas diante das estratégias cada vez mais sofisticadas de marketing. O documento orienta os países a regulamentar a publicidade digital desses produtos e a criar sistemas eficazes de monitoramento e responsabilização das empresas.

 Leis e projetos sobre aleitamento materno 

Leis em vigor:

Projetos de lei em análise:

Com informações da Agência Senado.
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