Microplástico contamina 69,3% das praias brasileiras
Município de Pontal do Paraná tem cinco das dez praias mais contaminadas por microplásticos em todo o país; Olinda, Recife e Praia Grande (SP) completam o 'top 10'
3 NOV 2025 - 15H03 • Por Wilson LopesUm dos mais extensos levantamentos sobre a ocorrência de microplásticos (MP) nas praias tropicais do Sul Global chegou a uma constatação alarmante: 69,3% das praias brasileiras estão contaminadas.
O estudo coletou 4.134 amostras de sedimentos de 1.024 praias localizadas em 211 municípios de todos os 17 estados costeiros brasileiros, cobrindo aproximadamente 7.500 km de litoral, o que representa mais de 90% de toda a extensão costeira do país.
A seleção do local considerou a cobertura geográfica, a diversidade ambiental e morfológica, o nível de urbanização e a proximidade de potenciais fontes de poluição (terminais portuários, emissários de esgoto, pontos turísticos e empreendimentos costeiros).
Os pesquisadores consideraram microplásticos os fragmentos medindo de 300 μm a <5 mm, coletados a 5 metros da costa, entre abril de 2022 e abril de 2023, a uma profundidade aproximada de 5 cm, caracterizados por morfologia, cor, tipo e composição química.
Para garantir a consistência, todas as amostras coletadas foram transportadas para uma única instalação, o Laboratório de Toxicologia Aplicada ao Meio Ambiente do Instituto Federal Goiano (Campus Urutaí, em Goiás), que estava totalmente equipado para padronizar todas as etapas analíticas. Lá, os MP foram classificados por cor e morfotipo.
Os pesquisadores utilizaram quatro índices integrados calculados para avaliar a poluição por microplásticos e os riscos associados: o Índice de Carga Poluente (PLI), que reflete a intensidade da contaminação por microplásticos com base em fatores de concentração e suas raízes quadradas; o Índice Integrado de Diversidade de Microplásticos (MDII), que captura a heterogeneidade morfológica combinando pontuações de diversidade para tamanho, forma, cor e morfotipo; o Índice de Perigo de Polímeros (PHI), que estima a toxicidade potencial com base na abundância relativa de tipos de polímeros e suas pontuações de perigo associadas; e o Índice de Risco Ecológico Potencial (PERI), que integra a intensidade da contaminação e o perigo do polímero para fornecer uma medida cumulativa de risco ecológico.
No total, foram identificados 24.549 microplásticos, que apresentaram considerável variabilidade em cor, tamanho, forma e morfotipo. Entre 21 tipos comuns de polímeros, os mais encontrados pelos pesquisadores foram polietileno (PE), poliestireno expandido (EPS) e polipropileno (PP), dominados pelas cores branca, verde e azul, predominando em todos os estados, representando, juntos, aproximadamente 60% dos MP identificados.
Na prática, o estudo revelou uma extensa contaminação por microplásticos ao longo do litoral brasileiro, com acentuada variação entre os estados. A proporção das amostras variou de 16,5% no Espírito Santo a 90,6% em Sergipe.
Na média, o estudo considerou uma concentração basal nacional de 27,09 MP/kg e classificou 38,63% das amostras como contaminadas. Esses resultados são alarmantes quando comparados aos asiáticos (5,6 em 31 praias indianas e 1,43 na praia de Kuakata, Bangladesh).
Estados como Sergipe, Maranhão, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul apresentaram frequências significativamente acima do esperado. Ao mesmo tempo, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte apresentaram proporções significativamente menores.
O estudo também apresenta uma série de variáveis, como os estados que agrupam as maiores partículas, as cores e as formas mais comuns, além dos morfotipos.
O ranking que ninguém queria liderar
Segundo o estudo ‘Poluição por microplásticos ao longo do litoral brasileiro’, as praias com as maiores concentrações de MP no Brasil ficam no município de Pontal do Paraná (PR), com população estimada de 30.425 habitantes (IBGE/22), nas proximidades do Porto de Paranaguá. Por lá, os pesquisadores encontraram concentração de 3.483.4 partículas/kg no Balneário de Barrancos, e de 2.968.0 no Balneário Grajaú.
A Orla de Olinda (2.455.7), cidade da Região Metropolitana do Recife, e a Praia do Pina (2.184.9), uma das duas praias da capital pernambucana, ficaram com a terceira e quarta posição do ranking.
Fecha o ‘Top 5’ o município de Praia Grande, com 349.935 habitantes (IBGE/22), na Região Metropolitana da Baixada Santista. A praia da Guilhermina apresentou concentração de 2.073.5 partículas/kg.
A cidade de Pontal do Paraná ainda tem mais três praias entre as dez mais poluídas por microplásticos (Balneário Leblon, 1981.9; Pontal do Sul, 1.970.0; e Balneário Marissol, 1.866.o). A praia Canto do Forte (1.877.2) em Praia Grande e a praia Buraco da Veia (1.834.8), no Recife, completam o ranking.
Além do ranking das 30 principais praias brasileiras com os maiores valores de concentração média de microplásticos (MPs/kg), o estudo também apresenta outros dois rankings: Índice de Perigo de Poluição (PHI) e o Índice de Risco Ecológico Potencial (PERI).
Ambos são liderados pela praia Paraíso, no município de Torres, com 41.751 habitantes (IBGE/22), no extremo norte do Rio Grande do Sul.
Ameaça à biodiversidade
Para os pesquisadores, a poluição por microplásticos em ambientes costeiros representa uma ameaça significativa à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos, com potenciais implicações para a saúde humana, particularmente no Sul Global, onde dados sobre impactos em larga escala são escassos.
“A poluição por microplásticos emergiu como uma das ameaças mais disseminadas e difusas aos ecossistemas costeiros e marinhos, exigindo respostas baseadas em evidências que integrem escala, profundidade analítica e abrangência”, aponta o relatório.
O relatório recomenda que as descobertas geradas forneçam uma visão geral da poluição por microplásticos nas zonas costeiras do Brasil e estabeleçam novos parâmetros de referência para a gestão ambiental marinha.
“A identificação de pontos críticos de contaminação, a estimativa de valores de referência usando múltiplas abordagens estatísticas e a determinação de fatores-chave associados à variabilidade espacial dos microplásticos oferecem fortes evidências para ações de mitigação direcionadas em diferentes escalas”.
Também reforça a noção de que a poluição por microplásticos é um fenômeno causal e heterogêneo, profundamente influenciado por processos localizados, como variáveis como proximidade a canais urbanos, densidade populacional, largura da praia, presença de infraestrutura turística e características morfossedimentares, fornecendo bases técnicas sólidas para o desenvolvimento de políticas públicas mais direcionadas e baseadas em evidências.
Em virtude da complexidade revelada pelos dados, os pesquisadores recomendam a institucionalização de um programa nacional para o monitoramento sistemático da poluição por microplásticos, priorizando as áreas críticas identificadas no estudo.
“Além disso, a integração da pesquisa científica, das políticas públicas e da educação ambiental surge como uma necessidade urgente para abordar esse problema difuso e persistente”, completa o relatório.
900 km da praia mais próxima
O artigo ‘Microplastic pollution across the Brazilian coastline: Evidence from the MICROMar project, the largest coastal survey in the Global South’ foi publicado pela revista científica ‘Environmental Research’, em sua edição 286.
Fruto do Projeto MicroMar, aprovado em chamada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - (chamada CNPQ/MCTI-FNDCT CT-PETRO nº 43/2022), com o aporte de R$ 1.015.000,00 para o custeio das expedições de campo, aquisição de reagentes e equipamentos, o estudo foi coordenado pelo Instituto Federal Goiano (IF Goiano), que recebia as amostras e transportava para o Laboratório de Toxicologia Aplicada ao Meio Ambiente (IF Goiano, Campus Urutaí), distante 173 km de Goiânia, capital do Estado, e 900 km da praia mais próxima (Santos/SP).
O documento também é assinado pela Universidade Federal de Uberlândia, Instituto Singular - Ideias Inovadoras (ISII, Rio de Janeiro), Instituto Federal do Ceará, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Universidade Federal Fluminense, Universidade Estadual do Amapá, com contribuição internacional da Universidade de Alcalá (Espanha), Universidade de Oklahoma (Estados Unidos), Universidade de Guanajuato (México) e Instituto Argentino de Oceanografia.
O projeto contou com a participação de bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), como o doutorando Thiarlen Marinho da Luz.
“O investimento vai além da formação individual; representa a aposta do estado em jovens pesquisadores capazes de enfrentar desafios ambientais de escala global”, afirma.
A Fapeg investe cerca de R$ 3,9 milhões no edital que apoia doutorandos de excelência, com bolsas de até R$ 7 mil mensais por três anos. Para o professor Guilherme Malafaia, o MicroMar é um marco para a ciência goiana, nacional e global. O professor destaca que o trabalho preenche uma lacuna histórica na compreensão da poluição por microplásticos nas praias brasileiras.
“Mesmo sem litoral, Goiás demonstrou capacidade científica e organizacional para liderar a maior investigação costeira já realizada no Brasil. Isso evidencia a maturidade da ciência feita no interior do país”, comemora.
Além do artigo científico, o MicroMar prepara um relatório técnico para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e as secretarias estaduais de meio ambiente, além de expandir o monitoramento para regiões insulares e estuarinas. O objetivo é consolidar um banco de dados nacional sobre microplásticos e aproximar ainda mais ciência, governo e sociedade.
“Traduzir o conhecimento científico em soluções práticas é o caminho para reduzir a poluição plástica e preservar os ecossistemas costeiros”, conclui Malafaia.
Com informações da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg).
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Acesse o artigo ‘Microplastic pollution across the Brazilian coastline: Evidence from the MICROMar project, the largest coastal survey in the Global South’>>
Acesse o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar (PNCLM)>>
Assista ao documentário Planeta Plástico (Raíssa de Oliveira Ferreira)>>