Na juventude, mulheres são progressistas, enquanto homens defendem valores conservadores
Para 61% dos jovens, os problemas que mais preocupam o Brasil são a pobreza, o desemprego, a falta de acesso a direitos, além do consumo de drogas, corrupção e crime organizado
6 NOV 2025 - 10H53 • Por Alana Gandra, Agência Brasil.O maior estudo sobre juventudes, política e democracia realizado na América Latina e no Caribe nos últimos anos constatou que, no Brasil, as mulheres tendem a se posicionar mais à esquerda e a defender agendas progressistas, enquanto os homens aparecem mais alinhados a valores conservadores. Mas, apesar da divergência, o estudo aponta que jovens dos dois gêneros convergem sobre a necessidade de políticas públicas e a redução das desigualdades no país.
O levantamento ‘Juventudes: Um Desafio Pendente’, divulgado pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung no Brasil (FES Brasil), ouviu mais de 22 mil jovens em 14 países da região, incluindo 2.024 no Brasil, na faixa etária de 15 a 35 anos, e revela como essa geração interpreta o papel do Estado, as desigualdades e as possibilidades de transformação social em um contexto de profundas mudanças políticas.
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Posição política
No campo ideológico, 44% se identificam com o centro político, 38% com a direita (dos quais 17% com a extrema direita) e 18% com a esquerda. As mulheres tendem a se posicionar mais à esquerda e a defender agendas progressistas, enquanto os homens aparecem mais alinhados a valores conservadores. Essa combinação de demandas por igualdade com visões tradicionais sobre família, segurança e moral sexual revela o caráter plural e em disputa do campo político juvenil no Brasil.
Para o diretor de Projetos da FES Brasil, Willian Habermann, o percentual de 44% mais ao centro representa uma juventude que se percebe cansada com o tema da política e não representada, ou com falta de conhecimento político.
"Ainda que um pouco avesso à política, esse jovem está acompanhando e entende o papel do Estado como importante, e a necessidade de políticas de educação, emprego, segurança pública”.
Ele exemplifica que predominam as posições progressistas quanto à igualdade e direitos: 66% apoiam a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero, 58% aceitam o casamento entre pessoas do mesmo sexo e 59% concordam que pessoas transgênero devem ter acesso a cuidados de saúde relacionados à afirmação de gênero.
Já em relação ao aborto, prevalece a posição mais conservadora: somente 33% dos jovens apoiam a legalização do aborto, enquanto 51% se declaram contrários, e 16% não souberam responder.
“No que tange a valores, em especial aqueles relacionados a valores de gênero e ao papel do Estado, eles demonstram que a juventude, sim, talvez esteja entre o centro e a direita, mas que ela reconhece o papel do Estado, que tem valores fundamentais para a sociedade brasileira”, explica Habermann.
Crise de confiança
A maioria da juventude (66%) considera a democracia a melhor forma de governo, embora 49% acreditem que uma democracia pode funcionar sem partidos, sinalizando tensões entre valores democráticos e autoritários.
Já 58% dos entrevistados manifestaram preferir um líder forte, que resolve melhor os problemas, do que os partidos ou as instituições. Em contrapartida, somente 29% disseram preferir um governo autoritário. Para Habermann, o fato de esses jovens não reconhecerem os partidos dentro da democratização é um problema.
“Quando a gente vai na parte de confiança nas instituições, os partidos políticos são as instituições menos confiadas pelos jovens. Esse é um limite que os partidos políticos precisam romper, e um tema que precisa ser observado".
O levantamento sinaliza a existência de uma crise de confiança nas instituições políticas tradicionais, na medida em que 57% não confiam nos partidos, 45% desconfiam da Presidência, e 42%, do Legislativo. Em contrapartida, universidades, igrejas e meios de comunicação aparecem como instituições mais confiáveis.
A questão da raça é um fator determinante: jovens negros expressam maior desconfiança na polícia e no sistema judiciário, refletindo a desigualdade racial histórica e o impacto da violência institucional.
Temas sociais e satisfação pessoal
- A pesquisa aponta a importância de temas sociais e direitos para os entrevistados:
- 86% defendem a prioridade de oferta de educação e saúde pelo Estado;
- 85% destacam a proteção ao meio ambiente;
- 75% defendem o direito da autonomia dos povos indígenas e das comunidades étnicas sobre seus territórios;
- 71% defendem a questão da regulamentação das plataformas digitais;
- 60% acreditam que deve haver um imposto adicional para os ricos, a fim de redistribuir a riqueza.
Os jovens brasileiros exteriorizam níveis elevados de satisfação pessoal: 68% estão satisfeitos com a sua vida em geral, e 70% com suas relações familiares. Ao mesmo tempo, contudo, os jovens entrevistados demonstraram forte insatisfação com a economia (46%) e a situação do país (55%).
Esses dados refletem os impactos das desigualdades históricas e das reformas que, após 2016, intensificaram a precarização do trabalho e cortaram direitos sociais, aponta a sondagem. Mesmo assim, 88% dos jovens consultados demonstraram ter expectativas otimistas quanto ao seu futuro nos próximos cinco anos.
Segundo o estudo, apesar de 58% avaliarem positivamente a educação recebida, a promessa de ascensão social por meio da escolaridade e do trabalho digno não se concretiza para muitos, em especial para jovens negros, mulheres e pessoas de classes mais baixas.
Apenas 29% dos jovens pretos e 32% dos pardos disseram ter um trabalho estável, contra 45% de brancos, enquanto 45% dos entrevistados das classes mais baixas estavam desempregados ou em busca de oportunidades.
“Ainda que a gente tenha, nesse momento, uma taxa de desemprego muito baixa, essa é uma grande preocupação dos jovens: a educação, o emprego, e o emprego de qualidade”, destacou Habermann, que apontou que 14% dos jovens tinham trabalhos temporários.
A pesquisa revela também que, para 61% dos jovens, os problemas que mais preocupam o Brasil são a pobreza, o desemprego e a falta de acesso a direitos, além do consumo de drogas, corrupção e o crime organizado, temas que, para a juventude brasileira, deveriam ser abordados pelas políticas públicas no país.
Para 55% dos jovens, cabe ao Estado garantir políticas de emprego, seguido de políticas sociais (46%) e políticas para a segurança cidadã (27%). “Eles querem políticas de bem-estar social e políticas para segurança cidadã, como proposta do governo federal, de vereadores, de deputados estaduais”.
Redes sociais
A pesquisa mostra que o jovem brasileiro está muito conectado com as redes sociais para acessar informações, bem como meio de mobilização social e política.
As redes sociais são o canal preferido para a busca diária de informações por 60% dos jovens, e 33% recorrem a esses canais algumas vezes na semana, totalizando 93% de engajamento frequente.
Do mesmo modo, 57% citam as redes sociais como o canal predominante para buscar informações, seguidas da televisão (45%), que mantém presença forte e acessibilidade em diversas regiões brasileiras, e apenas 2% em meios tradicionais, como jornais impressos.
Plataformas digitais como YouTube (30%), WhatsApp (25%) e outros sites na internet (24%) também se destacam, demonstrando que a busca por informação está cada vez mais fragmentada e mediada por ferramentas online.
Os resultados obtidos pelos pesquisadores não mostram, entretanto, se os jovens entrevistados conferem a veracidade ou não das informações colhidas nas redes sociais.
Willian Habermann destacou que a importância ou a relevância dos influenciadores foi menor do que era esperada.
“Isso ajuda a entender um pouco por onde esses jovens buscam informações. Já que as redes são citadas por 57% dos consultados. A gente pode, talvez, entender que há, sim, uma tendência a receber informações não necessariamente respaldadas, como em um jornalismo de qualidade”.
Com informações da Agência Brasil e da Fundação Friedrich Ebert (FES).
@fes_brasil
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