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Quem é o pai?

O reborn da discórdia

Bonecos artesanais que imitam características físicas de bebês recém-nascidos entram na pauta e aquecem os debates no legislativo brasileiro

16 MAI 2025 - 12H08 • Por Wilson Lopes
Bebês reborn são as bonecas artesanais altamente realistas que imitam características físicas, como a aparência e o peso de um recém-nascido, com detalhes como texturas de pele, veias, cabelos e até mesmo cílios e unhas - Freepik

Uma criadora de conteúdo digital infantil, de 17 anos, da cidade de Janaúba (70.699 habitantes, 554km de Belo Horizonte), no Norte de Minas Gerais, aproveitou a visita a um recém-nascido (de verdade) de uma amiga de sua mãe no hospital da cidade e, diante do cenário ideal para uma boa gravação, simulou que seu bebê, Bento (de mentira), “não estava se sentido bem” e, portanto, estaria “recebendo cuidados” médicos. 

Daí pra frente a internet se cuidou de alimentar a discórdia no perfil da jovem mineira. Milhões de visualizações se debatendo entre seguidores e haters (críticos agressivos) dos bebês reborn (renascido em inglês), aquelas bonecas artesanais altamente realistas que imitam características físicas, como a aparência e o peso de um recém-nascido, com detalhes como texturas de pele, veias, cabelos e até mesmo cílios e unhas.

Em uma rápida busca pelas redes sociais já é possível encontrar vídeos de advogados respondendo a perguntas das mais inacreditáveis sobre os bebês reborn, do tipo “dá direito a licença maternidade?”, “é possível tirar certidão de nascimento?”, “posso pedir pensão alimentícia?”, “a guarda é compartilhada?”, “tem direito a herança?”...

O assunto vem se transformando em uma preocupação social, na velocidade que a internet costuma tratar a coisas: atropelando o que encontra pelo caminho. 

Dia da Cegonha Reborn

Não obstante, o poder legislativo vem se mobilizando para enfrentar a questão. A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou o PL nº 1892/2023, incluindo o ‘Dia da Cegonha Reborn’ no Calendário Oficial da Cidade, para ser celebrado em 4 de setembro.

No projeto, o vereador Vitor Hugo (MDB) justifica que os bebês reborn são utilizados como terapia por psicólogos para o restabelecimento de lutos e outros traumas, como falecimento de filho recém-nascido, auxiliando no processo de recomposição da mãe ou o pai enlutado. A proposta ainda aguarda sanção do prefeito Eduardo Paes. 

De autoria do deputado estadual Rodrigo Amorim (União), o Projeto de Lei nº 5357/2025 propõe para a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovar a criação de um programa de saúde mental para pessoas que se consideram pais e mães de bebês reborn.

No pedido, o deputado justifica alerta para o perigo de se utilizar os bonecos como uma fuga da realidade, como dependência afetiva e transtornos de ordem psíquica que podem causar depressão ou suicídio.

Já o deputado estadual Caporezzo (PL), um ferrenho crítico do universo reborn, protocolou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais o Projeto de Lei nº 3.757/2025 que proíbe o atendimento de qualquer objeto inanimado nos serviços públicos do Estado, sob pena de multa equivalente a dez vezes o valor do serviço prestado indevidamente.

Em seu perfil nas redes sociais, Caporezzo alerta que “esse tumulto em torno do boneco, diz muito sobre nossa sociedade, pois é alarmante ver o quanto as pessoas se sentem solitárias e desconectadas, buscando a fuga da realidade e tentando suprir seus vazios com esse tipo de brinquedo de madame”. O deputado ressalta que “quando a realidade paralela sobrecarrega os serviços públicos, alguém precisa dar um basta!”.

Nas redes sociais é possível encontrar uma série de perfis que se especializaram em oferecer bebês reborn, de todas as formas e preços (Freepik)

Demissão e descredenciamento do SUS

O assunto escalou como uma startup bem sucedida e já toma a pauta da Câmara dos Deputados, em Brasília. 

O deputado federal Dr. Zacharias Calil (União/GO), cirurgião pediátrico mundialmente conhecido por cirurgias de separação de gêmeos xifópagos, decidiu colocar seu bisturi nessa ferida, ao apresentar o Projeto de Lei nº 2320/2025, que dispõe sobre a aplicação de sanção administrativa a quem utilizar bebê reborn ou artifício similar para obter benefícios destinados a crianças de colo, como usufruir de benefícios, prioridades, facilidades ou atendimentos previstos em lei ou regulamentos.

Entre as ‘facilidades’ descritas pela deputados estariam atendimento preferencial em unidades de saúde, postos de vacinação, hospitais; prioridade em filas; uso de assentos preferenciais em transporte coletivo; além de descontos e gratuidades atribuídos a bebês de colo. 

Já o delegado federal Paulo Bilynskyj (PL/SP) é mais intransigente, ao querer com o Projeto de Lei nº 2326-2025 proibir, por profissionais de saúde ou servidores públicos, o atendimento a bonecos hiper-realistas em unidades de saúde públicas e privadas, inclusive nas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), em todo o território nacional.

No projeto o deputado descreve ‘atendimento’ como simulação ou prestação de serviços clínicos, de enfermagem, triagem, acolhimento, encaminhamento, prescrição, ou outra conduta técnico-profissional dirigida a objetos inanimados representativos de seres humanos, sujeitando os profissionais a penalidades como advertência, suspensão e até demissão, além de multa para as instituições privadas e descredenciamento junto SUS.

Tem reborn negro? 

Nas redes sociais é possível encontrar uma série de perfis que se especializaram em oferecer bebês reborn, de todas as formas e preços. Os de silicone, mais em conta, custam a partir de trezentos reais. Os artesanais, criados pelas “cegonhas”, as artistas que fazem tudo a mão, chegam a valer até dez mil reais, dependendo do seu grau de “realidade”, e demorar de 15 a 60 dias para serem ‘gestados’. 

Muitos compradores são colecionadores de bonecas, mas a internet está impulsionando o modismo da ‘maternidade reborn’. Os bonecos industrializados, usados como brinquedos, indicam recomendação para crianças a partir dos 3 anos, pois costumam pesar entre 1kg e 3kg.

Nas lojas consultadas para elaborar esta reportagem, uma constatação: não havia nenhuma boneca reborn negra, apenas algumas morenas com cabelos “cacheados”... 

@yas__reborn @caporezzodm @vitorhugo.rio @rodrigopiresamorim @paulobilynskyj @drzachariascalil

#BebêReborn #MundoReborn #Viral 

Acesse o PL 2326/2025 - Proíbe o atendimento a bonecos hiper-realistas em unidades de saúde públicas e privadas em todo o território nacional e dá outras providências>>

Acesse o PL 1892/2023 - Inclui o Dia da Cegonha Reborn no Calendário Oficial da Cidade do Rio de Janeiro>>

Acesse o PL 5357/2025 - Institui o programa de saúde mental para pessoas que se consideram pais e mães de “bebês reborn” no Estado do Rio de Janeiro>>

Acesse o PL 2320/2025 - Dispõe sobre a aplicação de sanção administrativa a quem utilizar boneca do tipo “bebê reborn” ou artifício similar para obter benefícios destinados a crianças de colo e dá outras providências>>