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Interflúvio Madeira-Purus

BR-319, entre Manaus e Porto Velho, tem 7.376 km de estradas clandestinas em áreas protegidas

Vias ilegais construídas na região de influência da rodovia federal invadem unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos rurais e até áreas militares

15/11/2025 - 15:25 Por Wilson Lopes

Utilizando dados do OpenStreetMap (OSM), informações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e imagens de satélites, o Observatório BR-319 (OBR-319) constatou que 38,8% dos ramais e estradas clandestinas derivadas da região de influência da Rodovia Manaus-Porto Velho estão em unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos rurais e áreas militares.

Ao todo, o Observatório identificou 43.495 ‘estradas’ na região do interflúvio entre os rios Madeira e Purus, no estado do Amazonas, totalizando 18.897 quilômetros de extensão, dos quais 7.376 km nas áreas protegidas pela legislação brasileira. A média de comprimento por ramal é de cerca de 600 metros, variando entre um mínimo de 100 metros e um máximo de aproximadamente 88 km.

O Observatório identificou 43.495 ‘estradas’ na região do interflúvio entre os rios Madeira e Purus, totalizando 18.897 quilômetros de extensão

O relatório revela um padrão de penetração significativo em áreas que, por sua natureza jurídica e função socioambiental, deveriam estar submetidas a regimes rigorosos de proteção e controle do uso do território.

Os pesquisadores consideraram a região do interflúvio dos rios Madeira-Purus com relação direta com os núcleos de maior intensidade de desmatamento, por se tratar de uma das áreas mais sensíveis à expansão da fronteira agropecuária e à intensificação de atividades ilegais de exploração florestal na Amazônia brasileira.

O geógrafo Heitor Pinheiro, pesquisador do comitê de monitoramento e inteligência do Observatório, considera a situação preocupante. De acordo com o especialista, os estudos indicam que essas vias ilegais têm relação direta com as áreas com maiores níveis de desmatamento. 

“Essas estruturas ilegais que abrem caminhos na floresta são os principais vetores de conflitos”, disse o geógrafo.

Fonte: Abertura de ramais e estradas clandestinas como vetores de desmatamento no Interflúvio Madeira-Purus: análise com dados geoespaciais recentes

Para o OBR-319, os municípios da região têm registrado, nos últimos anos, um aumento expressivo na abertura de ramais e estradas clandestinas, que têm desempenhado papel central nos processos de desmatamento e degradação florestal.

“Essas vias não oficiais, muitas vezes abertas sem qualquer licenciamento ambiental ou controle estatal, funcionam como corredores de penetração no interior da floresta, facilitando o acesso a áreas anteriormente isoladas”, adverte o relatório.  

Segundo o Observatório, a principal motivação para a abertura desses ramais é a exploração madeireira seletiva, com foco em espécies de alto valor comercial, como também acesso a áreas com processos minerários. Tão logo a madeira é retirada, essas áreas tendem a ser convertidas rapidamente em pastagens para criação extensiva de gado bovino, ou monocultura, configurando um padrão recorrente de desmatamento associado à especulação fundiária e ao avanço da pecuária na região.

Em alguns municípios, o desmatamento também está associado a uma lógica de ocupação predatória, onde a abertura de novos ramais antecede e estimula o processo de grilagem de terras públicas, muitas vezes estimulada pela expectativa de regularização fundiária futura.

“A lógica de ocupação dispersa, promovida por esses acessos irregulares, compromete a integridade de grandes blocos de floresta contínua e ameaça unidades de conservação, territórios indígenas e áreas de uso tradicional pelas populações ribeirinhas e extrativistas”, aponta o estudo, cobrando uma governança pública de controle territorial efetiva, que enfrente a conivência e a omissão institucional e combata a atuação de redes ilícitas de exploração de recursos naturais.

O Observatório BR-319 é formado por uma rede de organizações da sociedade civil que atuam na área de influência da rodovia BR-319. Foi criado em 2017 pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), Fundação Vitória Amazônica (FVA), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB), WCS-Brasil e WWF-Brasil.

Questionado sobre o estudo, o Ministério dos Transportes reconheceu que os desafios associados à rodovia vão além de aspectos técnicos de engenharia ou ambientais (Observatório BR-319)

Desafios no enfrentamento

Questionado sobre o estudo, o Ministério dos Transportes (MT) garantiu que tem atuado de forma coordenada no fortalecimento da governança territorial da BR-319 e reconheceu que os desafios associados à rodovia vão além de aspectos técnicos de engenharia ou ambientais.

“A formação de vias irregulares no entorno da BR-319-AM exige atuação coordenada entre diferentes órgãos públicos”, escreveu em nota para a Agência Brasil. 

A pasta explicou que mantém diálogo permanente com o Ministério do Meio Ambiente, o Ibama, o Incra e a Funai para enfrentar os impactos socioambientais da região.

O MT acrescentou que estão em andamento ações voltadas à estruturação de parcerias institucionais, definição de arranjos de governança, integração de dados e implementação de mecanismos de monitoramento contínuo. 

“Essas medidas contribuem para identificar riscos, intensificar a fiscalização e garantir maior controle sobre os acessos irregulares que incidem sobre áreas sensíveis”, complementou o órgão do governo.

Terras indígenas

Também por nota, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) afirmou que compreende a importância do combate e prevenção aos ilícitos ambientais em terras indígenas e unidades de conservação. 

Por este motivo, afirma que, desde 2015, promove o monitoramento remoto das terras indígenas localizadas na Amazônia Legal, com apoio do Centro de Monitoramento Remoto.

A ferramenta possibilita, segundo a Funai, acompanhar ocorrências de desmatamento, degradação, fogo, mudança de uso e de ocupação do solo.

“Esse monitoramento, apesar de permitir a detecção dos ilícitos em si e agilizar a resposta, ainda não permite delimitar o motivo da ocorrência, por exemplo, a criação de estradas clandestinas”, pondera a Fundação. 

No entanto, segundo o órgão garante, estão em planejamento mudanças na metodologia que permitirão auxiliar nessa delimitação, detalhando também estradas e garimpos.

A rodovia da discórdia

A BR-319 interliga Manaus, no Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia, alcançando 877,4 km de extensão. Nesse percurso, ela atravessa os municípios de Careiro da Várzea, Careiro, Manaquiri, Borba, Beruri, Manicoré, Tapauá, Canutuma e Humaitá, onde cruza com a BR-230, a Transamazônica, influenciando também Apuí e Lábrea. Em toda a extensão, a rodovia atravessa 42 unidades de conservação e 69 terras indígenas no Amazonas e Rondônia.

Atualmente, a BR-319 está parcialmente asfaltada, com trechos sem pavimentação e em condições precárias de infraestrutura, gerando altos custos de manutenção. Recentemente, o Governo Federal autorizou a pavimentação de 52 km da Linha C-1, que inclui a travessia do Rio Tupana (km 177,8 ao km 250).

O chamado Trecho do Meio, com 405,7 km (km 250 ao km 655,7), que vai da Ponte sobre o Rio Jordão ao entroncamento com a Transamazônica, é o pomo da discórdia. 

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) endurece nas exigências do estudo de impacto ambiental encomendado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) para liberar a pavimentação do trecho. O intuito é preservar fauna, flora, índios, arqueologia e cuidar da epidemiologia. Também exigiu a criação de 28 unidades de conservação estaduais e federais na área de floresta em torno da estrada.

A inauguração ocorreu em 1976 e foi celebrada como um marco da soberania nacional (Arquivo Ministério Transportes)

57 anos e ainda em construção

As obras da BR-319 começaram em 1968, no período da Ditadura Militar, quando as políticas ambientais do país eram incipientes. A inauguração ocorreu em 1976 e foi celebrada como um marco da soberania nacional e da integração do estado do Amazonas ao restante do Brasil. 

No entanto, ao longo dos anos 80, a rodovia viveu uma situação de abandono, o que culminou no seu fechamento em 1988, quando a empresa que ainda explorava a linha Porto Velho–Manaus decidiu suspender os serviços, por falta de condições da estrada. A partir dos anos 90, problemas com a segurança da região, como tráfico, garimpo e contrabando, também cresceram exponencialmente. Em 2015, empresas rodoviárias voltaram a desbravar a rodovia.

De concreto, atualmente, só o fato de os estados do Amazonas e de Roraima, com suas populações somadas em mais de 4,6 milhões de habitantes, seguirem sem nenhuma rodovia asfaltada que os ligue com o restante do Brasil.

Com informações do Observatório BR-319 (OBR-319); Luiz Cláudio Ferreira, Agência Brasil.

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Acesse o estudo ‘Abertura de ramais e estradas clandestinas como vetores de desmatamento no Interflúvio Madeira-Purus: análise com dados geoespaciais recentes’>>

Acesse o Observatório BR-319 (OBR-319)>>

Acesse a página do DNIT sobre a BR-319/AM/RO>>

Acesse a página do DNIT com orientações sobre viagem segura pela BR-319>>

Acesse o Relatório do Grupo de Trabalho da BR-319>>

Assista ao vídeo DNIT>>

 


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