Em entrevista à revista ‘Pesquisa Fapesp’, periódico especializado em cobrir a produção científica e tecnológica do Brasil, editado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o ex-reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG/2010-14) e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do governo Dilma Rousseff (2014), Clelio Campolina Diniz, defende um modelo de desenvolvimento regional que articule a cidade com o território.
Especialista em economia regional, desenvolvimento econômico e economia da tecnologia e inovação, Campolina é autor de mais de 200 artigos científicos e estudou as mazelas da industrialização de Minas Gerais e a desconcentração da atividade industrial no Brasil nas últimas décadas (João Marcos Rosa/Nitro/Pesquisa Fapesp)- Siga a Agência Cidades no Instagram>>
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Natural de Esmeraldas, cidade a 56 quilômetros de Belo Horizonte, e engenheiro de formação, Clelio tem passagem pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG. No currículo acadêmico carrega graduações, títulos de mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de Oxford e na London School of Economics and Political Science (ambas no Reino Unido), na Universidade de Rutgers (Estados Unidos), e na Universidade de Roma, na Itália.
E foi no BDMG que o ex-ministro começou a se envolver com o desenvolvimento regional, ainda em 1967, quando foi encarregado de trabalhar na reestruturação das usinas de açúcar e em atividades relacionadas com o planejamento energético e industrial, no departamento denominado Diagnóstico da Economia Mineira. Logo após, veio a capacitação no Instituto Latino-americano de Planejamento Econômico e Social (Ilpes), vinculado à Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe [Cepal] e um período em Santiago, no Chile.
A sua dissertação de mestrado deu origem ao livro ‘Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira’, adotado em disciplinas sobre a economia de Minas Gerais e utilizado pelos órgãos de planejamento. Nele, Campolina estudou o processo de industrialização de Minas Gerais e uma das conclusões é que tinha pouca indústria comandada pelo empresariado local: ou era do Estado ou de capital estrangeiro.
Já o doutorado relacionou a dinâmica da produção agropecuária e mineral com o desenvolvimento regional no Brasil. Nele, observou que estava havendo uma desconcentração do setor agropecuário e da atividade mineral e isso tinha um efeito sobre outras atividades econômicas, como a indústria.
Campolina reafirmou essa convicção no trabalho que apresentou no concurso de professor titular na UFMG, em 1991, analisando a questão da desindustrialização do nordeste dos Estados Unidos, das mudanças tecnológicas e da expansão do Vale do Silício. Segundo ele, lá estavam os fundamentos da perda da participação relativa de São Paulo, que depois foram publicados em dois artigos, sobre a reestruturação produtiva e o impacto regional da indústria brasileira e sobre o desenvolvimento poligonal no Brasil.
O ranking Melhores Cidades para Fazer Negócios, desenvolvido pela Urban Systems, aponta Petrolina como um dos municípios com melhor infraestrutura e condições para geração de empregos, ambiente econômico favorável e capacidade de atração de investimentos em 2025 (Prefeitura de Petrolina/PE)Desenvolvimento poligonal
Nesse estudo, Clelio mudou o referencial a fim de enxergar para onde a indústria estava indo. Em vez de tomar como referência as unidades federativas, ele começou a trabalhar com as microrregiões geográficas definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), separando a Região Metropolitana de São Paulo do restante do estado de São Paulo e do país.
Com isso, o desenvolvimento poligonal mostrava que a região de São Paulo estava perdendo participação relativa, mas a desconcentração da indústria estava sendo contida dentro de um polígono, cujos vértices eram Belo Horizonte, Uberlândia, Londrina, Caxias do Sul, Florianópolis, voltando a Belo Horizonte. O Rio de Janeiro ficava de fora.
O trabalho foi publicado pelo International Journal of Urban and Regional Research e tem quase mil citações. Em outro trabalho que se chama ‘Reestruturação produtiva e impacto regional da indústria brasileira’, que fez em parceria com Marco Crocco para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2005, Campolina demonstrou que está havendo um certo alargamento desse polígono como efeito da expansão da fronteira agrícola.
Nele, aponta-se que Goiás cresceu muito e há também algumas indústrias indo para o Centro-Oeste, mas o grosso continua dentro do polígono, incluído o interior de São Paulo.
Economia regional
Aos 83 anos, Clelio Campolina está concluindo dois artigos. Um sobre a posição do Brasil em face da corrida científica e tecnológica mundial e outro sobre a reestruturação espacial da economia brasileira, onde pretende dar ênfase às regiões de influência das cidades, uma metodologia adotada em um estudo chamado Regiões de Influência das Cidades (Recig), do IBGE, lançado em 2018.
“A tradição de pensar a economia regional abandonou a cidade e é preciso voltar a vincular o desenvolvimento urbano com o regional: a cidade estrutura e comanda o território”, ressalta.
Campolina explica que publicou um trabalho na ‘Area Development and Policy’, editada na Academia Chinesa de Ciências, onde mostra a crise urbana que o Brasil criou com essa megametropolização.
“Criamos esse caos, que é a concentração de crime, de pobreza, de miséria. Você pega uma cidade como o Rio de Janeiro e só vê falar em crime. Nas grandes cidades brasileiras, o núcleo mais rico tem excelentes condições de vida. A periferia não tem educação nem renda. São Paulo hoje tem a maior concentração de pobreza do Brasil. A pobreza rural acabou. Hoje, a população rural é menos de 15%. Tem aposentadoria rural, tem bolsa-família, benefício de prestação continuada, vale-gás. A miséria está na periferia das cidades”, adverte.
Barreiras foi classificada na 26ª colocação no ranking nacional entre as cidades para se investir no setor comercial, além de conquistar o título de melhor cidade para fazer negócios no setor do Agronegócio em 2023 pela Urban Systems (Prefeitura Barreiras/BA)Desenvolvimento regional e o urbano
Para Campolina, ainda é possível integrar o desenvolvimento regional e o urbano. Ele cita como grande experiência contemporânea o que os chineses estão fazendo, reestruturando o território a partir de uma rede de cidades e da oferta de acessibilidade, com trens de alta velocidade.
“Há alguns anos, coordenei, para o Ministério do Planejamento, via Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), a proposta de construção do Brasil Policêntrico, no qual as cidades estruturam e comandam o território. Não dá para pensar o desenvolvimento regional fora das cidades. A gente propunha, no lugar de inchar as metrópoles do litoral, selecionar um conjunto de cidades de porte médio para as quais se devia dar acessibilidade e implantar serviços públicos – e aí sim se poderia tentar atrair o investimento privado. Mas o Brasil não consegue se planejar. O planejamento faz falta ao país”, adverte.
Sobre as experiências positivas no Brasil, citou Brasília, que teve um papel central na reestruturação territorial do país, e Goiânia, cidade que se estruturou pela proximidade com Brasília e pela expansão da fronteira agrícola e hoje está ganhando importância relativa.
Além das capitais, fez referências a Barreiras, no oeste baiano, que virou um centro de referência da soja, além de Petrolina, em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia, em função da irrigação e da produção de frutas, cidades induzidas pela expansão do agro.
“No Centro-Oeste brasileiro, há um conjunto de cidades de porte médio onde não se vê miséria. Têm uma grande concentração de serviços, com comércio, colégio, banco, hotel, porque há renda. Não tem nada a ver com essas cidades do leste de Minas ou do interior do Rio de Janeiro, que estão paradas no tempo”, conclui.
A entrevista completa, com texto original de Fabrício Marques, foi publicada com o título “Clelio Campolina: O Brasil não se planeja” na edição impressa da Pesquisa Fapesp nº 353 de julho de 2025.
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