As tradicionais festas juninas brasileiras nasceram na Europa católica e foram introduzidas no país pelos portugueses durante o período colonial, celebrando as solenidades católicas de Santo Antônio, São João Batista, São Pedro e São Paulo. Com fogueira, quermesse e quadrilha, as festas trazem afetividade, ensinamentos religiosos e narrativas que atravessam séculos de história popular.
Segundo a doutora em Teologia e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Ana Beatriz Dias Pinto, no Brasil, mais do que datas litúrgicas, são experiências coletivas que misturam devoção, comida, dança e memória afetiva.
“Cada arraial, cada fogueira acesa e cada simpatia feita com fé expressam uma catequese viva, transmitida não por livros, mas por gestos, sabores e ritmos que fazem universo de sentidos para a religiosidade popular e dizem muito sobre nossa cultura”, diz.
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A professora explica que a tradição da fogueira vem de um acordo entre Isabel e Maria, primas grávidas. Elas combinaram que, quando João nascesse, Isabel acenderia uma fogueira para avisar Maria.
“Assim surgiu o sinal, que se acende até hoje em cada quermesse do Brasil para celebrar o nascimento do único santo festejado no dia em que nasceu, e não no dia da morte”.
A fogueira de São João representa a luz da vida para os momentos de escuridão, a expectativa de exteriorizar e queimar pelo fogo tudo aquilo que tira a alegria da vida, explica a professora. Há ainda o ato de pular a fogueira, que representa purificação, renascimento, desejo realizado.
“No Brasil, isso se popularizou ao ponto de virar a cantiga “Pula a fogueira, ioiô”. Esse gesto é arquétipo de purificação, de queimar energias e experiências negativas, reduzindo a cinzas o que não é bom para a vida”.
Outro símbolo tradicional das festas juninas, o arraial, é a recriação de uma aldeia temporária e sagrada, onde há sempre uma igreja, um padre, um casamento e padrinhos.
“É uma miniatura da própria organização social católica, mas numa versão colorida e brincante, homenageando o povo caipira, o povo que oferece aos centros urbanos o alimento”.

Quadrilha, pau de sebo e quermesse
De acordo com Ana Beatriz, a origem da quadrilha, uma dança de casais que se abrasileirou nos nossos arraiais, tem origem nas danças de salão francesas. Aos poucos, se transformou em uma dança coreografada no Brasil. O pau de sebo também faz parte da folia junina.
“Enquanto alguns veem simbolismo fálico, como pecado, algo do demônio, outros veem só como diversão. O fato é que, pela cultura popular, o pau de sebo é tão somente uma brincadeira de festa junina. Em sua ponta, sempre há uma imagem de Santo Antônio ou um prêmio cobiçado. Quem consegue apanhar é o vencedor”.
O termo quermesse para denominar a festa da igreja vem do flamengo ‘kerkmisse’, palavra que nasceu da língua falada na região da Flandres (atualmente parte da Bélgica). A festa nasceu como evento beneficente e, com o tempo, incorporou forró, barracas de jogo, bingo e cachorro-quente aqui no Brasil.
“No fundo, continua sendo celebração comunitária, de agradecimento pelas colheitas e para celebrar que o povo quer missa, mas também quer festa, união, convivência e amizade. Valores presentes à formação social brasileira no campo e na cidade”, explica Ana Beatriz.
Comidas e bebidas
As festas juninas no Brasil coincidem com a colheita de alguns alimentos, como o milho, amendoim, pinhão, uva. Desses produtos resultam pratos como a canjica, a pamonha, o bolo de milho, o curau, o pé-de-moleque, pinhão cozido ou assado. As bebidas, como o quentão e o vinho quente, que têm origem portuguesa, surgiram como função social de aquecer o corpo e a alma.
“Todos representam uma forma de Ação de Graças a um plantio bem-sucedido, em forma de gratidão disfarçada de quitute”, explica a professora de teologia.
Papel das festas
Para Ana Beatriz, as festas juninas são ainda mais importantes no período atual, com a existência da comunicação digital e das redes sociais, como ritual coletivo, memória afetiva e expressão de uma espiritualidade popular legítima falando de pertencimento, alegria e esperança por meio das danças, das brincadeiras e da celebração da colheita dos alimentos típicos do inverno.
“As festas juninas são expressão simbólica do imaginário devocional e cultural brasileiro, com direito a muitas orações, simpatias e à consciência simbólica de que o ano chegou à sua metade, convidando cada um de nós a olhar para trás, agradecer, e reacender a fé para o que continua por vir”.

Manifestação da cultura nacional
As festas juninas e as quadrilhas juninas são reconhecidas como manifestação da cultura nacional pela Lei nº 14.900 (21/06/2024). Com a sanção presidencial, o estilo de dança passa a integrar o grupo que inclui também as escolas de samba, o forró e as festas juninas.
A quadrilha junina desembarcou no país com a corte portuguesa, no começo do século XIX. Tem origem no ‘quadrille’, dança de salão composta por quatro casais, nascida na Paris do século XVIII e pertencente às integrantes da elite. No Brasil, tornou-se popular junto aos aristocratas.
Na sequência, conquistou a população e passou a incluir elementos culturais, religiosos e folclóricos nacionais. Durante este processo, o número de pares cresceu. Além disso, os passos e ritmos franceses foram postos de lado. E o casamento caipira, que precede a dança, além das músicas, foram incorporados.
Desde então, as quadrilhas adquiriram importância social, econômica e turística para vários municípios, sobretudo no Nordeste.
Em 2024, em Campina Grande, na Paraíba, foi estabelecido, novamente, um recorde. A dança reuniu 1.280 pares, obtendo o 10º título consecutivo de maior quadrilha junina do país.
Acesse a Lei nº 14.900/2024, que reconhece as quadrilhas juninas como manifestação da cultura nacional>>