
A acidificação dos oceanos, um fenômeno causado pelo excesso de absorção de gás carbônico (CO) da atmosfera, ultrapassou os limites para o equilíbrio planetário em 2020, aponta o estudo ‘Another Planetary Boundary Crossed’ (Acidificação dos oceanos: mais uma fronteira planetária cruzada).
Produzido pelos pesquisadores Helen S. Findlay, Richard A. Feely, Li-Qing Jiang, Greg Pelletier, Nina Bednaršek, todos do Laboratório Marinho de Plymouth (PML) do Reino Unido, e publicado na Global Change Biology (Volume 31, edição 6), revista sobre mudanças ambientais dedicada a debater questões como sustentabilidade, mudanças climáticas e proteção ambiental, a informação só foi revelada cinco anos depois, por conta da atualização das medições e da aplicação de novos modelos computacionais sobre materiais coletados nos últimos 150 anos.
“A gente tem uma informação robusta, sendo produzida por um estudo que tem alcance mundial e revelando uma informação que a gente, infelizmente, não tinha ainda. Apesar das observações e modelos matemáticos, essas informações não tinham integrado ainda o contexto dos limites planetários. E esse foi o avanço”, explica Alexander Turra, pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.
O conceito de limites planetários foi criado em 2009 por cientistas do Centro de Resiliência de Estocolmo para o acompanhamento de nove fenômenos decorrentes da ação humana, como mudança climática, poluição por produtos químicos, mudança no uso da terra e a acidificação dos oceanos. Desde então, a ciência apontava que seis desses limites haviam sido ultrapassados.
Com a descoberta do novo estudo, a mudança da acidez das águas dos oceanos aumenta essa lista para sete.
“Isso traz para a gente um alarme adicional em relação a essa degradação do oceano. Especialmente porque é um fenômeno silencioso e imperceptível no nosso dia a dia, diferente do lixo no mar, que é muito evidente”, alerta Turra.
Com a absorção da alta concentração de gás carbônico da atmosfera, os oceanos passam por uma redução do potencial hidrogeniônico (pH) e consequente diminuição da concentração de carbonato de cálcio na água, que afeta diretamente a estruturação de esqueletos e o crescimento de vidas marinhas.
“Isso significa que vai ter menos crescimento de recifes de coral, conchas de moluscos mais frágeis, autólitos [rochas hospedeiras] de peixes menos estruturados, e a gente vai ter, então, organismos que terão uma capacidade de se relacionar com o meio ambiente limitada em função desse comprometimento”, explica o pesquisador.
Segundo a coordenadora do Laboratório de Oceanografia Química da UERJ, Letícia Cotrim, a acidificação também pode causar mudanças na fisiologia, crescimento e reprodução de espécies, afetando a biodiversidade existente nos oceanos.
O estudo propõe ainda o limiar de 10% para a concentração de carbonato de cálcio abaixo dos níveis pré-industriais como referência para esse limite planetário. A proposta parte da observação do comprometimento de habitats de espécies como moluscos, que dependem de conchas calcificadas para a sobrevivência.

Comprometimento de 60% do oceano
De acordo com os pesquisadores, quando essa fronteira foi ultrapassada em 2020, foi observado o comprometimento de 60% do oceano com profundidade de até 200 metros, e 40% do oceano de superfície de todo o planeta.
“Incluindo uma redução de 43% no habitat dos recifes de coral tropicais e subtropicais, até 61% para os pterópodes polares (borboletas marinhas) e 13% para os bivalves costeiros”, destaca a pesquisa.
Para a pesquisadora, o estudo reforça o que cientistas afirmam há décadas. Quanto mais CO na atmosfera, mais rápido ultrapassaremos os limites estabelecidos pelo Acordo de Paris. O limite de 1,5ºC de aquecimento global é o considerado gerenciável para evitar perdas maiores de vidas humanas, perdas na produção, problemas mais graves – e caros – com extremos climáticos e com a elevação do nível do mar, destaca.
Para Turra, o Brasil, enquanto um país marítimo, que vai sediar, em novembro, a próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP30), deve ter um protagonismo central nessa discussão, por meio da implementação de ações efetivas que sirvam como exemplo.
“A gente vai poder fazer uma conexão muito clara entre o oceano e o clima na COP30, a ponto de a gente fortalecer com mais esse argumento a necessidade de reduzir as emissões e de aumentar o sequestro e a estocagem de carbono”, conclui.
Acesse o estudo ‘Ocean Acidification: Another Planetary Boundary Crossed’>>
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