O artigo ‘Mães solo no mercado de trabalho’, publicado por Janaína Feijó no BLOG DO IBRE da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revela que, entre os anos de 2012 e 2022, o número de domicílios com mães solo cresceu 17,8%, passando de 9,6 milhões para 11,3 milhões.
O artigo considera domicílios chefiados por mães solo aqueles em que a pessoa de referência é uma mulher com filho(s), mas sem a presença de um cônjuge e praticamente nenhuma rede de apoio, com todas as responsabilidades recaindo unicamente sobre a mãe.

Um outro estudo da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN) ratifica o desajuste social. Segundo a ARPEN, mais de 164 mil crianças foram abandonadas pelo genitor ainda no útero materno, em 2022. Em 2023, esse número passou dos 106 mil até julho.
Para a associação, a ausência da figura paterna durante o desenvolvimento das crianças e adolescentes pode ter impacto na saúde física e mental delas. Em muitas situações, causam danos irreparáveis, que podem perdurar por toda uma vida.
A psicóloga Flávia Lacerda explica que a ausência de um genitor pode ter consequências nos relacionamentos futuros, ao causar um apego inseguro. “Esse apego inseguro significa que a pessoa pode ter uma tendência maior a ter ansiedade e dificuldade de se envolver e se vulnerabilizar em relações afetivas amorosas e que pode ter comportamentos também de maior agressividade”.
Desta forma, Flávia ressalta que o cuidado vai além de arcar com os custos. “Prover materialmente não significa que você está cuidando da criança, porque a gente entende que esse cuidado vem de diferentes frentes e ele acontece até mesmo no conflito, mas também no amor que vai sendo construído com o cotidiano”.
Registro de filhos de mães solo
Atualmente, muitas mães registram seus filhos sem a presença do pai na certidão de nascimento — especialmente quando há recusa do genitor em reconhecer a paternidade logo após o nascimento. Entre os desafios enfrentados pelas mães solo, estão o desconhecimento dos direitos garantidos por lei e a necessidade de processos judiciais para o reconhecimento da paternidade.
O reconhecimento de paternidade biológica espontânea é regulamentado e facilitado pela Lei nº 6.015/1973 e por normas da Corregedoria Nacional de Justiça, como o Provimento nº 63/2017 (atual Provimento nº 149). Ainda assim, a judicialização continua sendo necessária em muitos casos, o que impacta diretamente o pleno exercício da cidadania por parte das crianças.
Segundo a advogada e professora Andrea Lopes, especialista em Direito das Famílias e Sucessões, o procedimento vigente permite que a mãe registre o nascimento sozinha e, se desejar, indique o suposto pai — o que pode dar início a um processo judicial de averiguação de paternidade.
“Mesmo com mecanismos administrativos previstos na Lei nº 8.560/1992, como a notificação do pai pelo Ministério Público, ainda é comum a necessidade de ações judiciais para garantir o direito à filiação”, explica Andrea.
Esse cenário compromete não apenas o direito da criança à identidade, mas também dificulta o acesso a benefícios sociais, pensão alimentícia, herança e convivência familiar.
Caminhos para a mudança
Para enfrentar esse cenário, uma proposta de reforma legislativa busca simplificar o processo de reconhecimento da paternidade, fortalecendo o papel dos cartórios.
Andrea defende que a indicação do pai seja registrada diretamente em cartório, com notificação administrativa obrigatória ao suposto genitor. Caso não haja manifestação ou haja recusa, o cartório acionaria automaticamente o Ministério Público, dispensando a necessidade de a mãe ingressar com ação judicial.
“Além de assegurar os direitos fundamentais das crianças, como o acesso à identidade e à ancestralidade, a medida diminuiria a sobrecarga do Judiciário e daria mais efetividade às serventias extrajudiciais”, afirma Andrea.

O que dizem os cartórios
João Gusmão, presidente da Arpen/MA e tesoureiro da Arpen-Brasil, e Devanir Garcia, presidente da Arpen-Brasil, explicam como o procedimento funciona atualmente nos cartórios quando a mãe comparece sozinha para registrar a criança e deseja indicar o suposto pai.
“Quando a mãe é solteira, ela pode registrar o filho apenas em seu nome. Caso deseje indicar o suposto pai, o oficial deve remeter o caso ao Poder Judiciário, que poderá determinar exame de DNA e outras providências. O reconhecimento voluntário, por outro lado, pode ser feito extrajudicialmente, de forma imediata”, explica João Gusmão.
Gusmão reforça que os cartórios lidam com muitos casos semelhantes e destaca os principais desafios enfrentados: “Temos a ausência de cooperação por parte do suposto pai, a dificuldade de localização e a burocracia que acaba empurrando esses casos para a via judicial. De 2016 até abril de 2025, foram registrados mais de 1,4 milhão de nascimentos com pais ausentes no país. Somente em 2024, 162.530 crianças foram registradas sem o nome do pai na certidão de nascimento.”
Hoje, quando uma mãe registra o filho sozinha, ela é questionada no cartório sobre a identidade do pai. Caso deseje, pode informar o nome e os dados de contato do suposto genitor. A partir dessa informação, o cartório encaminha essa indicação ao juízo local, que, por sua vez, remete ao Ministério Público para as providências legais.
A principal mudança prevista na proposta legislativa é que, com base nessas informações fornecidas pela mãe, a notificação ao suposto pai será feita diretamente pelo cartório. Isso representa um avanço importante, pois pode acelerar o processo de reconhecimento de paternidade e reduzir o número de registros sem filiação completa.
Contudo, Devanir Garcia ressalta que é fundamental a criação de um fundo de custeio para essa nova atribuição: “O registro de nascimento é gratuito por lei, e essa nova atribuição ao cartório – que envolve deslocamento de servidores, notificações e custos operacionais – também precisa ser coberta adequadamente para garantir sua viabilidade sem onerar os cartórios.”
Garantias e segurança jurídica
Apesar dos avanços esperados, a proposta pode enfrentar resistência por conta do risco de declarações falsas. Andrea pondera que esse receio é superável, desde que haja garantias legais, como o contraditório, a possibilidade de realização de exame de DNA e a responsabilização em caso de má-fé.
“Com regras claras e segurança processual, a medida não apenas manteria como ampliaria a segurança jurídica”, destaca Andrea. “É preciso assegurar o direito à filiação desde o nascimento. A inclusão do nome do pai na certidão é fundamental para o pleno exercício da cidadania”, conclui.
Gusmão também acredita na viabilidade de um modelo mais administrativo, inspirado em experiências internacionais: “Países como Portugal mostram que esse tipo de sistema, com mediação e procedimentos administrativos claros, reduz a judicialização e acelera o acesso ao direito de filiação. Os cartórios poderiam atuar como pontos de conciliação, inclusive com orientação para exames de DNA, sem abrir mão da segurança jurídica”, defende.
Segundo ele, a proposta está alinhada com os avanços do Direito de Família no Brasil, que já reconhece vínculos socioafetivos e busca ampliar o acesso à justiça: “Com critérios bem definidos, é possível promover o bem-estar familiar e proteger os direitos das crianças e adolescentes com mais agilidade e eficiência.”
Experiências internacionais
Modelos semelhantes já são adotados em países como Argentina, Uruguai e Chile, onde o reconhecimento de paternidade pode ocorrer por vias administrativas, com a atuação de órgãos civis. Essas experiências são vistas como referência para o Brasil, por reduzirem a judicialização e protegerem mais eficazmente os direitos das crianças.
Com informações, Anna Luisa Praser, TV Brasil; Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (ARPEN).
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