O relatório ‘Radar Político da Saúde – A Saúde no Congresso Nacional em 2024’, publicado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), revela que os deputados federais e senadores da República estão tratando as políticas públicas do Brasil com um nível de desconhecimento que beira a mediocridade.
A partir do monitoramento sistemático das comissões de mérito mais relevantes para a saúde [Comissão de Assuntos Sociais (CAS) no Senado Federal e as Comissões de Saúde (CSAÚDE) e de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) na Câmara dos Deputados], o IEPS analisou 2.568 matérias legislativas que tramitaram nas duas casas ao longo do ano de 2024, das quais aprofundou a observação em 1.314 proposições. Desse total, 683 se transformaram em projetos e 631 em requerimentos.
A análise da produção mostrou o avanço progressivo do Legislativo sobre atribuições reservadas ao Poder Executivo, com um número expressivo de proposições buscando definir políticas nacionais, criar programas e estabelecer diretrizes operacionais que, em muitos casos, já estão previstas em normas infralegais do SUS.
Nesse caso, explica o relatório, quando há sobreposição normativa sem diálogo técnico, há risco de conflito com os marcos infralegais vigentes, o que pode gerar insegurança jurídica, engessamento e fragmentação das políticas públicas de saúde.
O IEPS argumenta que é importante reconhecer o papel legítimo do Poder Legislativo na proposição de leis e na fiscalização do Executivo, sobretudo quando há inação ou lacunas de política pública. Contudo, o problema ocorre quando a atuação legislativa desconsidera diagnósticos técnicos ou evidencia a captura por interesses particulares, remodelando políticas existentes sem respaldo em evidências.
“A presença de grupos de pressão com alta capacidade de mobilização e defesa de interesses específicos pode distorcer a agenda pública, favorecendo pautas setoriais em detrimento de políticas estruturantes que favorecem toda a população”, adverte o relatório.
O instituto observa que parte dessa dinâmica também pode ser explicada pela baixa especialização dos gabinetes parlamentares na pauta da saúde, uma vez que a complexidade técnica do setor, o vocabulário próprio da área sanitária e a multiplicidade de normas vigentes são fatores que podem dificultar a identificação de prioridades envolvendo a regulação de políticas de saúde e a elaboração de proposições que dialoguem adequadamente com o marco regulatório e institucional do SUS.
Por isso, ressalta o relatório, muitas propostas criaram obrigações para o SUS sem considerar os ritos técnicos e a lógica de funcionamento do sistema, desarticulando instâncias de pactuação federativa e ignorando critérios que orientam a incorporação de novas ações e tecnologias em saúde.

O que o relatório revela:
- 37% dos projetos entram em conflito ou duplicam normas já existentes, sem inovação ou articulação com políticas públicas vigentes
Dos 585 projetos que estabelecem alguma relação com políticas públicas, cerca de 37% dos projetos (26% classificados como contraposição e 11% como sobreposição) entram em conflito ou duplicam políticas de saúde já existentes.
- Cerca de 25% das propostas legislativas cujo objetivo é a criação direta de políticas públicas em saúde reproduz ou sobrepõe normas já existentes, sem integração com políticas consolidadas ou com a lógica de funcionamento do SUS
Em 2024, ¼ das 86 propostas do Congresso Nacional na área da saúde (considerando projetos de lei e indicações parlamentares) voltadas à criação direta de políticas públicas se limita a reproduzir ou sobrepor normas já existentes, sem considerar políticas consolidadas ou incorporar inovações efetivas.
- Dos 585 projetos que estabelecem alguma relação com políticas públicas, 40% foram classificados como de complementação (39% na Câmara e 44% no Senado).
Esse grupo inclui tanto proposições que aprimoram dispositivos normativos quanto aquelas que promovem alterações pontuais, como a inclusão de diretrizes orientativas ou ajustes em redações já consolidadas.
- 13% das propostas são voltadas à saúde mental e a condições clínicas específicas, mas com produção fragmentada e pouco convergente às políticas do SUS
Entre os 585 projetos identificados com relação a políticas públicas, as propostas voltadas à saúde mental e a condições clínicas específicas refletem preocupações legítimas da sociedade, mas muitas apresentam caráter pontual, desarticulado de políticas nacionais existentes.
- Campanhas simbólicas representam 14% das propostas, enquanto menos de 10% dos projetos focam em temas relacionados a mudanças estruturais para o sistema de saúde
Dos 683 projetos analisados, cerca de 14% dos projetos analisados visam principal a realização de campanhas de conscientização ou criação de datas e causas para o reconhecimento simbólico de causas específicas na Saúde.
- 72% dos requerimentos analisados têm como foco a realização de audiências públicas e 30% são voltados a condições clínicas específicas
Dos 631 requerimentos identificados, 345 (55%) tiveram como objetivo solicitar a realização de audiências públicas e 108 (17%) buscavam alterar os convidados
dessas audiências.
- Apenas 19% das matérias têm foco em populações específicas, com baixa atenção a grupos historicamente negligenciados
Apenas 249 das 1314 proposições analisadas (19%) foram classificadas como voltadas a públicos específicos. Dentre elas, 38 tratam da saúde das mulheres (15%). Grupos como povos indígenas, população em situação de rua e comunidades tradicionais seguem com presença residual, representando menos de 3% do total.
Com informações do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
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