O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que pretende colocar em votação projetos que tratam da proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. Segundo Motta, os vídeos do influenciador Felca denunciando a exploração de menores de idade nas redes sociais chocaram e mobilizaram milhões de brasileiros.
Felca é o nome artístico de Felipe Bressanim Pereira, de 27 anos. Natural de Londrina (PR), ele começou na internet em 2012, jogando videogame em transmissões ao vivo. Depois, passou a produzir conteúdo humorístico.
No dia 6/08/2025, Felca publicou um vídeo de 50 minutos abordando a ‘adultização’ e a exploração de crianças e adolescentes, com diversos casos em que jovens são expostos de forma sexualizada na internet.
“Esse é um tema urgente, que toca no coração da nossa sociedade. Na Câmara, há uma série de projetos importantes sobre o assunto. Nesta semana, vamos pautar e enfrentar essa discussão”, disse Motta nas suas redes sociais.
A intenção do presidente da Câmara é pautar projetos que combatam ou restrinjam o alcance de perfis e conteúdos nas redes sociais que promovam a ‘adultização’ de crianças e adolescentes.
A deputada Dandara (PT-MG) defendeu a votação de propostas que garantam a proteção de crianças e adolescentes. Para a deputada, a regulamentação das redes e a responsabilização das plataformas são medidas urgentes.
“Há, sim, algo direcionado no algoritmo. O algoritmo não é neutro. Ele sabe que esse tipo de conteúdo e de comportamento existe nas redes sociais. Nós precisamos avançar urgentemente na regulamentação das redes, na responsabilização das plataformas”.

“Devemos cobrar em massa uma mudança nas redes sociais para que conteúdos como esses não sejam espalhados, permitidos nem monetizados. Tira o dinheiro dessa galera que tudo que eles fazem perde o sentido”, defendeu Felca em seu vídeo.
O governo federal elogiou a iniciativa de Motta. A ministra das relações institucionais, Gleisi Hoffmann, que é a responsável pela relação com o Legislativo, defendeu que é preciso responsabilizar as plataformas.
“[As plataformas] são capazes de identificar praticamente tudo o que fazem seus usuários. Não podem fingir que não é com elas, como normalmente acontece. E a internet não pode continuar sendo uma terra sem lei; uma arma poderosa nas mãos de pedófilos, incitadores de mutilações e suicídios, golpistas e criminosos”, afirmou.
O tema também foi comentado pelo advogado-geral da Uniao (AGU), Jorge Messias, que alertou para a promoção de conteúdos criminosos pelos algoritmos das redes sociais.
“Regulamentar adequadamente o uso de plataformas digitais é uma necessidade civilizatória dos nossos tempos: algoritmos têm propagado conteúdo criminoso com crianças. Quem confunde combate à pornografia infantil com ‘censura’ age de má-fé”, destacou.
A 'adultização' infantil se refere à exposição precoce de crianças a comportamentos, responsabilidades e expectativas que deveriam ser reservadas aos adultos.
A prática pode provocar a erotização e apresenta efeitos que prejudicam o desenvolvimento emocional e psicológico das crianças, segundo o Instituto Alana, organização que trabalha na proteção da criança e do adolescente.

Regulação das redes sociais
Conforme o presidente Hugo Motta, 22 deputados federais apesentaram projetos importantes sobre o assunto. Uma reunião com os líderes dos partidos deve pautar os próximos passos da Câmara acerca do assunto.
Uma alternativa pode ser a adesão ao Projeto de Lei n° 2628/2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE). O PL já tramitou pelas comissões de Economia e Desenvolvimento; Ciência, Tecnologia e Informática; Segurança Digital, Política Social; Proteção Social; e Crianças e Adolescentes; Comunicação e Direito Digital do Senado, sendo aprovado e encaminhado em dezembro de 2024 para análise da Câmara dos Deputados.
Com regras para redes sociais, aplicativos, sites, jogos eletrônicos, softwares, produtos e serviços virtuais, o projeto determina que os provedores criem mecanismos para verificar a idade dos usuários, impõe supervisão do uso da internet pelos responsáveis, obriga provedores de internet e fornecedores de produtos a criar sistemas de notificação de abuso sexual e a oferecer configurações mais protetivas quanto à privacidade e à proteção de dados pessoais, entre outras medidas.
O texto obriga todos os produtos e serviços de tecnologia a ter mecanismos para impedir, ativamente, o uso por crianças e adolescentes quando não tiverem sido desenvolvidos para esse público ou quando não forem adequados a ele. Esses fornecedores deverão tomar providências para prevenir e mitigar práticas como bullying, exploração sexual e padrões de uso que possam incentivar vícios e transtornos diversos.
A disponibilização de mecanismos de controle parental, para impedir a visibilidade de determinados conteúdos, limitar a comunicação direta entre adultos e menores de idade e restringir o tempo de uso, será outra obrigação imposta a esses serviços e produtos.

Menores de 12 anos
O projeto original proibia a criação de contas em redes sociais por crianças menores de 12 anos. Mas o relator [senador Flávio Arns, PSB-PR] alterou o texto para permitir a criação de contas por crianças, desde que vinculadas a contas ou perfis de um dos responsáveis legais.
Arns citou a pesquisa ‘Tic Kids Online Brasil 2023’, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), segundo a qual o uso da internet entre crianças brasileiras é amplamente disseminado. Conforme os dados da pesquisa, entre os atuais usuários de internet com idades entre 9 e 17 anos, 24% tiveram o primeiro contato com a rede antes de completar os seis anos. Ao todo, 75% desses usuários tiveram o primeiro acesso à internet antes dos 12 anos.
Abuso sexual
No novo texto, provedores de internet e fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação direcionados, ou utilizados por crianças e adolescentes devem implementar sistemas que permitam relatar conteúdos de exploração e abuso sexual infantil detectados a autoridades nacionais e internacionais. Eles também deverão remover conteúdo que viole direitos de crianças e adolescentes assim que receberem denúncia, vedada a anônima, sem aguardar por ordem judicial.
Além disso, provedores e fornecedores deverão reter, por prazo a ser estabelecido em regulamento, os seguintes dados associados ao relatório de conteúdo de exploração e abuso sexual infantil: conteúdo gerado, carregado ou compartilhado por qualquer usuário mencionado no relatório ou dados relacionados ao referido conteúdo; e dados do usuário responsável pelo conteúdo ou mesmo dados a ele relacionados.
Ainda segundo a proposta, aplicativos com mais de um milhão de usuários menores devem elaborar relatórios semestrais sobre as denúncias recebidas e o tratamento dado a elas.

Caixas de recompensa
O projeto segue medidas adotadas nos Estados Unidos e no Japão, como a proibição das caixas de recompensa, os chamados ‘loot boxes’. Essas ferramentas fornecem itens aleatórios para ajudar o jogador e podem ser compradas com moedas específicas de jogos ou com dinheiro real.
De acordo com Alessandro Vieira, pesquisas demonstram a similaridade dessas caixas de recompensa com os jogos de apostas. “Segundo a pesquisa da empresa Gamble Aware, cerca de 5% dos jogadores geram metade de toda a receita dos ‘loot boxes’ — não sendo necessariamente esses apostadores de alto poder aquisitivo, mas aqueles propensos a terem problemas com jogos de azar”, aponta Alessandro.
Publicidade
Em relação à publicidade destinada a crianças e adolescentes, o projeto determina que os conteúdos não devem estimular ofensa ou discriminação nem induzir sentimento de inferioridade no público. As propagandas também não podem incentivar atividades ilegais, violência ou degradação do meio ambiente e devem estar explicitamente sinalizadas como peças publicitárias.
O projeto proíbe o direcionamento de publicidade para crianças e adolescentes por meio de técnicas de perfilamento, isto é, pela análise de dados pessoais e do comportamento ao usar serviços e produtos tecnológicos.
A proposta original determinava regras específicas de publicidade para o público infantil e para os adolescentes. No substitutivo, as normas para todos os menores de 18 anos foram unificadas.
Os provedores de produtos ou serviços de tecnologia da informação deverão adotar medidas para garantir a proteção da criança e do adolescente contra publicidade abusiva, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.
Proteção de dados
O texto prevê que os controladores de produtos e serviços tecnológicos deverão realizar todos os esforços possíveis para verificar que o consentimento para coleta e tratamento de dados foi realizado pelos responsáveis do menor de idade. Fica proibido condicionar a participação de crianças e adolescentes em jogos e aplicativos ao fornecimento de mais dados pessoais do que aqueles estritamente necessários à atividade. Também não será permitida a criação de perfis comportamentais desse público a partir da coleta de dados.
Punições
A proposta prevê punições como advertência, suspensão e proibição dos serviços. Também pode ser aplicada multa de até 10% do faturamento da empresa no ano anterior ou de R$ 10 até R$ 1 mil por usuário cadastrado, com valor máximo de R$ 50 milhões por infração. As arrecadações serão destinadas para políticas do Fundo Nacional para a Criança e o Adolescente, com objetivo de proteger crianças e adolescentes no ambiente digital.
Segundo o senador Flávio Arns, o tema é “urgente, importante e necessário”.
Precisamos pensar na proteção da criança e do adolescente em ambientes digitais. Essa é uma área muito dinâmica, por isso a necessidade de colocar os termos gerais de proteção, para que aqueles que se encaixam nas regras que forem definidas cumpram o que está escrito — argumentou.
Desenho universal
Para garantir a plena acessibilidade de crianças e adolescentes aos produtos e serviços de tecnologia da informação que sejam adequados à faixa etária e grau de desenvolvimento biopsicossocial, houve a incorporação do conceito de desenho universal, previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Trata-se de conceito que demanda a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluídos os recursos de tecnologia assistiva.
Nesse sentido, também houve a inserção do conceito entre os fundamentos que devem orientar a utilização de produtos e serviços de tecnologia da informação por crianças e adolescentes.
Com informações de Luiz Gustavo Xavier, Agência Câmara de Notícias; Rádio Câmara; Lucas Pordeus León, Agência Brasil; Agência Senado.
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