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Brasil: 40% das fake news

"Vacinas provocam morte súbita, câncer, alteração do DNA, envenenamento. Antídoto está à venda!"

Narrativas associam vacinas a riscos de câncer, infertilidade e alteração genética, articulando vocabulário biomédico e imaginação apocalíptica, alimentando mercado paralelo de curas milagrosas e terapias alternativas que transforma pânico em dinheiro

18/10/2025 - 11:08 Por Wilson Lopes

A desinformação faz com que milhões de pessoas acreditem que as vacinas provoquem 175 supostos danos, que variam de morte súbita e alteração do DNA a envenenamento e câncer. Também cria a necessidade de consumo de 80 falsos antídotos que exploram a pseudociência e a espiritualidade. E o epicentro da produção de conteúdo antivacina da América Latina e do Caribe está justamente no Brasil. 

Estas são as principais revelações do estudo “Anti-vaccine Disinformation in Latin America and the Caribbean: Mapping 175 Alleged Harms and 80 False Antidotes in Conspiracy Theory Communities on Telegram”, traduzido em português para ‘Desinformação sobre Vacinas na América Latina e no Caribe: Mapeamento de 175 Supostos Danos e 80 Falsos Antídotos em Comunidades de Teorias da Conspiração no Telegram’. 

Publicado pelo Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop), iniciativa vinculada ao Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getulio Vargas (CEAPG/FGV), o estudo foi produzido por Ergon Cugler Silva, Julie Ricard, Mario Aquino Alves, Gabriel Rocha e Stefanny Vitória e examinou 1.785 comunidades abertas de teorias da conspiração no Telegram entre 2016/2025, abrangendo 5,8 milhões de usuários ativos e 81 milhões de postagens, as quais promovem narrativas conspiracionistas em 18 países da América Latina e do Caribe.

O Brasil se consolidou como polo regional da desinformação, responsável por 40% do conteúdo antivacina da América Latina e do Caribe

Utilizando mineração computacional de texto, codificação de conteúdo com reconhecimento de rede e análise qualitativa, os pesquisadores identificaram 175 supostos danos causados pelas vacinas e 80 falsos antídotos na ampla rede de teorias da conspiração existente no Telegram. 

Segundo o estudo, “Cada suposto dano é associado a um “antídoto’ comercializável. As alegações antivacina em comunidades conspiratórias funcionam como funis de conversão: atraem pelo medo e, em seguida, vendem produtos, cursos e terapias como ‘soluções’.”

Brasil, o epicentro antivacina no continente

O estudo mostra que quase 40% de todo o conteúdo antivacina da América Latina e do Caribe circula em grupos brasileiros. O país lidera o volume de mensagens e o número de usuários ativos em comunidades conspiratórias sobre vacinas, consolidando-se como o principal polo regional. A liderança se mantém há quase uma década e o Brasil sozinho já circulou mais de 580 mil conteúdos em suas comunidades próprias do Telegram.


175 supostos danos causados pelas vacinas

A publicação do DesinfoPop mapeou 175 supostos danos causados pelas vacinas nas mensagens compartilhadas pelo Telegram. As alegações falsas mais comuns vão de morte súbita e alteração do DNA a envenenamento e câncer, seguidas por boatos sobre coágulos, infertilidade e problemas cardíacos. 

O ranking é liderado por “morte súbita” (15,7% dentre todas as mensagens que mencionam vacinas nas comunidades da América Latina e do Caribe), “mudança no DNA” (8,2%), “AIDS” (4,3%), “envenenamento” (4,1%) e “câncer turbo” (2,9%).

Além disso, seguem circulando teorias já desmentidas sobre autismo, aborto espontâneo, microchips injetados, cegueira, vermes e parasitas, ataque cardíaco, derrame (AVC), surdez, infertilidade, diabetes, Alzheimer, depressão, epilepsia, queda de cabelo, trombose venosa..., que combinam jargão científico e apelos emocionais para sustentar medo e incerteza sem qualquer evidência.

Fonte: Anti-vaccine Disinformation in Latin America and the Caribbean

80 falsos antídotos para “anular” os “efeitos” das vacinas

No caos provocado pela desinformação, os pesquisadores encontraram 80 promessas de “antídotos” para neutralizar vacinas, que misturam pseudociência, espiritualidade e estímulo ao consumo. Os mais difundidos são o aterramento - ficar descalço no solo (2,2%), que afirma “limpar energias do corpo”; o dióxido de cloro (1,5%), vendido como “solução milagrosa mineral”, mas altamente tóxico; e produtos como alho, ivermectina e zeólita, todos sem evidência comprovada. Em menor escala, surgem substâncias químicas como DMSO e terra diatomácea, além de práticas simbólicas com cristais e orgonites.

O ecossistema antivacina funciona como um funil de vendas digital. A pandemia da Covid-19, por exemplo, foi a porta de entrada para a explosão da desinformação sobre autismo no continente. Entre 2019 e 2024 (cinco anos), o volume de conteúdos enganosos sobre autismo cresceu 15.000% (mais de 150 vezes), com um aumento expressivo de 635% (7,35 vezes) apenas durante o período pandêmico (2020/2021).

Antídotos para vacinas

Fonte: Anti-vaccine Disinformation in Latin America and the Caribbean

“Eu acredito!”

Ao analisar as desinformações sobre as vacinas, os pesquisadores constataram que elas não estão restritas apenas aos grupos Antivacinas (Antivax), Anticiência e Medicamentos off label. Segundo o estudo, há uma interseção significativa entre esse tema e a alegação da existência de uma suposta elite nomeada como Nova Ordem Mundial (NOM) e vinculada a um suposto Globalismo.

Categorias temáticas com abordagens antivacinas

Fonte: Anti-vaccine Disinformation in Latin America and the Caribbean

Conforme os autores, o estudo permite observar como crença, emoção e mercado se entrelaçam na produção de discursos antivacina. Esse processo se ancora em estratégias retóricas baseadas na emoção e na aparente tecnicidade, em que termos como “DNA”, “nanopartículas” e “morte súbita” simulam rigor científico para legitimar o medo.

Contudo, explicam, a desinformação não nasce no vazio: ela se alimenta de crises históricas de comunicação pública e de percepções de abandono estatal, como o que ocorreu na pandemia da Covid-19 que acentuou esse cenário, ampliando a circulação de conteúdos e fixando o antivacinismo como infraestrutura discursiva permanente (entre 2019 e 2021 houve um aumento de 689 vezes no volume de postagens, seguido pela manutenção de níveis 122 vezes superiores aos de 2020 até 2025).

“O fenômeno é amplificado por influenciadores autodeclarados ‘especialistas’, que monetizam a desinformação e reforçam a ideia de que a Ciência ‘mainstream’ estaria capturada por interesses ocultos. A desinformação, assim, deixa de ser episódica e passa a operar como sistema de crenças, juntando espiritualidade, pseudociência e antiglobalismo”, observam os pesquisadores.

O estudo conclui que o antivacinismo latino-americano é mais do que uma reação à pandemia: trata-se de uma nova forma de ordenação simbólica, onde a verdade científica compete com narrativas emocionais e religiosas pela mediação da realidade.

Dessa forma, advertem, a desinformação antivacina na América Latina e no Caribe constitui um sistema narrativo, emocional e econômico sustentado por atores descentralizados. Um sistema que redefine a autoridade, reorganiza as comunidades de crença e monetiza a incerteza. 

“Compreender essa dinâmica é passo essencial para construir estratégias públicas de enfrentamento, baseadas não apenas na correção de conteúdos, mas na reconstrução do vínculo entre Ciência, confiança e cidadania”, recomendam os pesquisadores. 

Por que o Telegram?

O Telegram é um aplicativo gratuito de mensagens instantâneas e rede social focado em velocidade e segurança (similar ao WhatsApp). Ele permite que os usuários conversem por meio de chats individuais (e secretos), grupos com até 200 mil membros, chamadas de voz e vídeo e canais de transmissão. A plataforma também deixa que mensagens sejam enviadas e recebidas sem divulgar o número do telefone. Em fevereiro de 2025, o Telegram estava instalado em 57% dos smartphones no Brasil.

Uma reportagem do Fantástico feita em 2022 mostrou que o app possui diversos grupos brasileiros que compartilham pornografia infantil, tráfico de drogas, venda de armas sem registro, propaganda neonazista, estelionato e até venda de dinheiro falsificado (G1). 

Segundo o estudo, ambientes digitais de baixa moderação e alta interoperabilidade como o Telegram, tornaram-se terreno fértil para ecossistemas antivacina. Os pesquisadores explicam que um dos principais achados durante a investigação foi o uso do sistema de recomendação de canais do Telegram (mas não de grupos). “Quando um usuário acessa um canal específico, o Telegram sugere automaticamente até dez canais semelhantes, com base no conteúdo do canal original.” 

Os pesquisadores enfatizam que apenas comunidades abertas foram extraídas para o estudo, pois permitem acesso irrestrito ao seu conteúdo, ou seja, qualquer usuário do Telegram pode entrar e visualizar as discussões sem a necessidade de aprovação ou convite.

Com informações do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop).

@desinfo.pop @ergon.br @maquinoalves @ricardjulie @fgv_eaesp
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