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Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina

Aquífero Guarani está rebaixando nível da água em até 100 metros

Uma das maiores fontes de água potável do mundo, aquífero sofre com superexploração do reservatório, que não está conseguindo repor seu estoque

4/12/2024 - 12:17 Por Wilson Lopes

Uma pesquisa conduzida pelo Instituto de Geociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro percebeu que a reposição de águas do Aquífero Guarani está abaixo do necessário para garantir a manutenção da quantidade disponível no reservatório, que se estende por áreas do Sul e Sudeste do país, além de Paraguai, Uruguai e Argentina. 

O artigo, titulado “How much rainwater contributes to a spring discharge in the Guarani Aquifer System: insights from stable isotopes and a mass balance model” (Quanta água da chuva contribui para a vazão de uma nascente no Sistema Aquífero Guarani: insights de isótopos estáveis e um modelo de balanço de massa) é de autoria dos pesquisadores Marcelo Donadelli Sacchi, Rodrigo Lilla Manzione e Didier Gastmans e foi publicado pela revista científica “Isotopes in Environmental and Health Studies”.

Em entrevista à Agência Brasil, o pesquisador e um dos autores, Didier Gastmans, do Centro de Estudos Ambientais da Unesp Rio Claro, explicou que a pesquisa buscou entender a importância da chuva na entrada de águas novas no aquífero, nas áreas de afloramento (superfície), e que foi possível confirmar esse papel. 

Ele acompanha o tema desde 2002, em seu doutorado, e todas as pesquisas desde então apontam que os efeitos de superexploração do reservatório são constantes, contínuos e tem piorado com a mudança de distribuição das chuvas na área de afloramento, que alimenta o aquífero. O problema causa preocupação em áreas de grande produção agrícola e população, como Ribeirão Preto, no norte paulista, onde os primeiros efeitos são sentidos desde a década de 1990. “Agora começou a aumentar muito o número de poços e isso começa a dar sinais em diversas regiões do interior”, disse Gastmans.

O geólogo afirmou que os indícios de superexploração estão claros no monitoramento dos poços e do nível dos reservatórios, atingindo aqueles próximos das regiões de afloramento, que têm níveis de dois a três metros mais baixos, em média, mas também os grandes poços de exploração para indústria e agronegócio, nos quais o rebaixamento atinge médias de 60 a 70 metros em dez anos. 

Nessa dinâmica "a água tem uma determinada profundidade no poço e vai baixando, o que demanda poços mais profundos e bombas mais potentes. Na porção oeste (do estado de São Paulo) a gente fala de grandes produtores e sistemas para abastecimento público. Pequenos produtores já sentem esse impacto em algumas regiões próximas da área de afloramento", esclareceu.

Esse rebaixamento dos níveis chega, em determinados pontos, a até 100 metros, considerável até para as dimensões do Aquífero, que tem níveis com 450 metros de espessura do reservatório, chegando a até 1 quilômetro de profundidade. 

A maior parte do consumo do Guarani é para o abastecimento urbano, e ao menos 80% dela se concentram no estado de São Paulo.

Um dos fatores que preocupa no curto prazo é que a chuva nas regiões de superfície, a partir das quais há recarga no aquífero, são muito concentradas, situação na qual apenas uma pequena parcela de chuva infiltra para o subsolo e ocorre um escoamento maior e infiltra menos. Também há impacto do aumento da evaporação nas áreas de superfície, causado pelo aumento da média de temperatura nas regiões.

O Aquífero Guarani abastece cerca de 90 milhões de pessoas e, durante a estação seca, sua contribuição chega a suprir 90% da descarga das nascentes

Monitoramento em tempo real

Gastmans criticou a falta de um conjunto claro de ações por parte dos órgãos públicos, afirmando que a primeira ação necessária é conhecer os usuários. "É necessária a implantação de um sistema de monitoramento em tempo quase real, para conhecer e dimensionar os atendimentos e as políticas de curto e médio prazo". 

O segundo é consorciar água subterrânea e água superficial, para usar de maneira integrada de acordo com a disponibilidade sazonal. "Também se faz necessário pensar no planejamento futuro: sempre se fala em desenvolvimento, mas os gestores parecem ignorar que não existe desenvolvimento plenamente sustentável, pois todo desenvolvimento tem um impacto e essas pessoas precisam começar a se antecipar aos problemas". 

O pesquisador da Unesp defendeu ainda a necessidade de pensar no uso de águas de melhor qualidade para abastecimento público e de águas de menor qualidade para outros usos, como irrigação de áreas extensas do setor sucroalcooleiro e de cítricos e uso industrial.

A Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas) informou que monitora todos os estudos relacionados à recarga do Aquífero Guarani e dos demais corpos d'água do estado. Segundo o órgão "a gestão do aquífero é realizada de maneira integrada com outros recursos hídricos, visando garantir o equilíbrio entre as demandas de uso e a preservação ambiental". 

A maior parte da captação de água no estado de São Paulo se concentra em fontes superficiais (rios e lagos), sendo a captação em poços profundos, que acessam o Aquífero Guarani, a menor parcela do total dos recursos hídricos. “Toda captação de água no estado está sujeita à outorga, concedida somente após criteriosa análise técnica”.

Origem das águas

A pesquisa conduzida pela Unesp, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), usou o monitoramento de isótopos estáveis de hidrogênio e oxigênio como marcadores para identificar a origem das águas que compõem o reservatório, o que permitiu perceber as áreas de superfície que colaboram para a manutenção dos níveis do Aquífero Guarani. 

Também usaram um processo de datação com isótopos dos gases ‘criptônio’ e ‘hélio’ para datar a água de alguns poços, o que permitiu detectar idades variando de 2.600 anos, em Pederneiras, até 127 mil anos em Bebedouro, 230 mil anos em Ribeirão Preto e 720 mil anos no Paraná.

Fontes de água potável

O estudo monitorou as nascentes, os rios, os poços e a chuva ao longo de oito anos, no período 2013/2021, e mediu a contribuição das águas pluviais e subterrâneas para a manutenção de nascentes na região de Brotas, na porção central do Estado de São Paulo, localizada na sub-bacia do Alto Jacaré-Pepira, onde o abastecimento urbano, a agricultura e o turismo intensivo dependem fortemente dos recursos hídricos. 

Os aquíferos são as maiores fontes de água potável do mundo. E o Guarani é o maior aquífero transfronteiriço – isto é, que se estende pelo subsolo de vários países. Sua área total, de aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados, abrange trechos no Brasil, no Paraguai, no Uruguai e na Argentina. Dois terços estão no território nacional, alcançando os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Nas partes centrais da Bacia Sedimentar do Paraná, o Aquífero Guarani pode atingir espessuras de até 450 metros e situar-se a profundidades superiores a 1.000 metros. Ainda que a quantidade de água doce seja descomunal – com um volume total armazenado de 30 mil quilômetros cúbicos e um volume disponível de 2 mil km, esse recurso natural também é finito, sujeito a esgotamento e contaminação por poluentes. 

O Estado de São Paulo consome cerca de 80% da água extraída do Aquífero Guarani no país. Dados de 2010 indicaram um consumo ainda maior, superior a 95%. Poços para abastecimento urbano, em primeiro lugar, e para irrigação agrícola, em segundo, são os principais fatores de redução do conteúdo líquido – o que, no contexto da atual emergência climática, com períodos de seca severa, é algo a ser considerado com muita atenção.

A homogeneidade das águas subterrâneas indica que o aquífero não é afetado diretamente por efeitos de sazonalidade, sendo essencialmente composto por uma fonte majoritária de água subterrânea com contribuições bem menores da água da chuva. Por outro lado, o rebaixamento do poço durante o período de monitoramento sugere que tenha ocorrido uma redução das taxas de recarga, devido à diminuição dos volumes totais de precipitação e ao aumento da evapotranspiração. Em outras palavras, o montante de água que entra no aquífero por meio da recarga não está sendo suficiente para repor o montante de água que sai do reservatório.

O Aquífero Guarani abastece cerca de 90 milhões de pessoas. Durante a estação seca, sua contribuição chega a suprir 90% da descarga das nascentes. A exploração excessiva, combinada com secas prolongadas no contexto da emergência climática, pode comprometer sua capacidade de sustentar o fluxo dos rios e nascentes, exacerbando crises hídricas como as que ocorreram entre 2014 e 2015 e, novamente, entre 2017 e 2021, no Estado de São Paulo.

Com informações, Guilherme Jeronymo, Agência Brasil; José Tadeu Arantes, Agência Fapesp.

@Rodrigo Manzione @didier_gastmans @unesp_oficial @agenciafapesp 

Acesse o artigo “How much rainwater contributes to a spring discharge in the Guarani Aquifer System: insights from stable isotopes and a mass balance model”

 

 


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